Connecting the Dots com Juan Carlos Galeano

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Crédito: Festival FOLIO

Neste episódio, exploramos as profundas ligações entre cosmogonias amazónicas, conhecimento indígena e gestão ambiental através das perspectivas do autor, investigador e activista ambiental colombiano.

Nascido na Amazónia colombiana, Juan Carlos Galeano move-se entre a poesia, a academia e o activismo ambiental com uma autenticidade única. A sua obra, incluindo Contos Amazónicos e poesia inspirada nas cosmogonias amazónicas, revela as intrincadas relações entre comunidades indígenas, mestiças e afrodescendentes com as florestas, os rios e os seres com quem partilham a vida.

Na Florida State University, Galeano ensina poesia latino-americana e é responsável por Journey into Amazonia, um programa de campo na Amazónia peruana, onde os alunos interagem directamente com as comunidades e os ambientes locais.

Conversámos com Juan Carlos no Festival FOLIO, em Óbidos, Portugal, onde o seu livro Amazónia acaba de ser traduzido para português, ampliando ainda mais o alcance destas perspectivas essenciais sobre a Amazónia.

Veja a versão em vídeo em baixo (legendas em português disponíveis), ou faça scroll para ouvir a versão em podcast (em espanhol) ou para ler a versão escrita (em português).

CONNECTING THE DOTS – PODCAST

Não vive sem os seus podcasts? Para não perder um episódio, subscreva o canal da Azimuth na Apple Podcasts ou no Spotify, aqui.

TRANSCRIÇÃO

(TRADUZIDO DO ESPANHOL)

COSMOVISÕES INDÍGENAS | PARENTESCOS | CRISE CIVILIZACIONAL

De facto, o grande valor das cosmovisões indígenas para o nosso presente é que elas trazem um legado de sabedoria. Que tipo de sabedoria? Bem, essa sabedoria de uma relação com a Terra, completamente diferente daquela que construímos na cultura ocidental.

Como foi mencionado hoje por alguns dos intervenientes indígenas, trata-se de uma sabedoria livre de dicotomias e dualismos. E, fundamentalmente, trata de nos sentirmos unidos a todos os outros seres. Ou seja, aos rios, às nuvens, à água, ao ar. Como se fossem nossos parentes, segundo o que afirmam tantas cosmogonias indígenas. Segundo milhares e milhares de mitos e narrativas das culturas indígenas, de cada povo indígena, nos quais os lugares e as outras espécies são nossos parentes.

Parentes que também nos ensinam a viver melhor. Se nós explorarmos as narrativas das culturas indígenas, a partir dessa noção de uma humanidade socializada, por exemplo, nós percebemos que elas definem princípios muito claros. E esses princípios baseiam-se nisso mesmo. Na reciprocidade. Numa noção muito vincada de que não estamos sós, de que não somos seres independentes, mas que fazemos parte de uma teia de relações com todo o universo. Não só com o universo imediato, mas no seu todo. Eu diria, como se aí encontrássemos os companheiros de viagem que nos acompanham na estrada das nossas vidas.

Juan Carlos Galeano y Alfredo Cumapa (Trabajo de campo escuchando historias) en el Amazonas (1998)

Crédito: Arquivo Pessoal Juan Carlos Galeano

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Crédito: Arquivo Pessoal Juan Carlos Galeano

Portanto, é claro que, sendo este o legado das culturas indígenas, neste momento, na modernidade, ele volta a emergir. Surge de novo, porque estas vozes foram silenciadas pelo colonialismo, pelo neocolonialismo e pela modernidade, que foi dizimando, não só as suas vozes, mas a própria Terra.

Então, a cultura ocidental, ao procurar narrativas que lhe permitam fazer uma crítica de si mesma, encontra-se neste momento com estes aliados cruciais, que são as culturas indígenas, que guardam toda a sabedoria necessária ao mundo moderno. Então, eu acho que esse é um princípio muito importante do qual devemos partir. E quando digo que devemos partir daí, isso significa que devemos respeitar e honrar essas comunidades humanas, que foram humilhadas e silenciadas. No caso da América Latina, por exemplo, ao longo cinco séculos de colonialismo.

Portanto, são narrativas, formas de ver o mundo, que estão em oposição a todas as narrativas que foram construídas pelos primeiros exploradores, e depois pelos colonizadores, e que continuaram a ser repetidas depois. Narrativas que integram uma ideologia destruidora. Portanto, penso que isto é extremamente importante, neste momento de crise. Como dizia Enrique Leff, neste momento de crise civilizacional.

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Crédito: Arquivo Pessoal Juan Carlos Galeano

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Crédito: Arquivo Pessoal Juan Carlos Galeano

CONTOS AMAZÓNICOS | RECONTAR E REESCREVER | IMAGINAÇÃO E EMPATIA

Reproduzir estes contos na íntegra preencheria demasiadas páginas. Bom, por que não fazer uma versão mitopoética de uma história, de uma narrativa oral, que coubesse em 10 páginas? E por que não fazê-lo através dessa versão mitopoética? Sem abandonar a língua em que foram contadas originalmente. Mas seleccionando momentos poderosos, iluminadores, quase como epifanias, dentro destas histórias.

Além disso, nunca contamos uma história da mesma maneira. Porque nós, através da nossa imaginação, estamos sempre a alterar as histórias. O próprio Italo Calvino disse: “Uma história não é bela se não lhe acrescentares algo de cada vez que a contas”. Pois bem, como no aforismo de Heráclito, nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. Vejamos, nós somos o rio. Também temos, como se diz em inglês, “agency”, agência.

Por isso, estamos sempre a construir algo. Estamos em permanente mudança, como todos os outros seres.

Estamos sempre a construir imaginários. O que acontece é que podemos manipular esse imaginário. Podemos sair de nós próprios. E assim, se sairmos de nós próprios e imaginarmos, e somos imaginativos o suficiente para o fazer, como pensaria uma montanha? Como pensaria uma nuvem? Como pensaria um rio? Portanto, aqui já entramos num conjunto de relações totalmente diferente. Estamos a construir um paradigma totalmente diferente, porque assim estamos a reconhecer que estas entidades são portadoras de subjectividade. Tal como nós. E, portanto, se têm uma subjetividade como nós, são seres sencientes.

E então a partir daí podemos usar essa nossa outra construção, a que chamamos compaixão, empatia. Podemos sentir com ela. E aqui estamos já num tipo de sociedade que se reencontra com essas sociedades originais, a que chamamos culturas indígenas. Talvez se nos dermos ao trabalho de imaginar, de olhar para o mundo com a nossa imaginação, possamos aproximar-nos mais do mundo, possamos senti-lo mais.

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Ed.: Libraries Unlimited - Greenwood Publishing Group

FACILITAR EXPERIÊNCIAS | PERSPECTIVAS AMAZÓNICAS | SITUAR O CONHECIMENTO

Bom, passei muitos anos a viajar pelos rios e selvas de toda a Amazónia, por locais que atravessam os vários países da Bacia, e queria partilhar essa experiência com os meus alunos – que cresceram numa narrativa totalmente antropocêntrica, e que são jovens por volta dos 20 anos – neste momento das suas vidas em que estão a tomar decisões importantes. E não haveria melhor forma os ensinar.

Porque ninguém ensina ninguém. Na verdade, facilitamos. Facilitamos uma experiência, para que eles possam tomar as melhores decisões para as suas vidas – enquanto médicos, advogados, professores, antropólogos, artistas – através de uma experiência que os leva a um lugar, a uma experiência, e que facilita que olhem simultaneamente para a vida, a vida ocidental, e para a vida local, a partir da perspetiva amazónica. Que olhem para os fenómenos da globalização, todos estes fenómenos que ocorrem no Ocidente, a partir da perspetiva das culturas indígenas.

Oral_narratives_project._Learning_about_the_spirited_forest_photo-3

Crédito: Journey Into Amazonia - Florida State University

Natural_History_project._Learning_about_plants._Alpahuayo_Mishana_2014_

Crédito: Journey Into Amazonia - Florida State University

Portanto, foi assim que aconteceu com alunos que tinham projectos como, por exemplo, estudar uma planta. Puderam estudar essa planta, mas não apenas da forma fragmentada que a educação tradicional exige. Não, essa planta não existe sozinha. Existe rodeada de pessoas. Existe graças às pessoas. Assim como as pessoas existem graças à planta, e vice-versa. Portanto, os alunos puderam conhecer e estudar essa planta, mas puderam conhecê-la na perspetiva dos habitantes da região.

O mesmo acontece com o estudo de um peixe. E isto incluía também todos os aspectos negativos. Ou seja, os processos de globalização, como é que influenciam um rio, como é que o transformam, como é que o envenenam, como é que também leva ao sofrimento destes peixes?

Por isso, pensei que esta era uma experiência importante e, durante muitos anos, conduzi este programa, em que o trabalho era feito nas comunidades. Os alunos viviam com as pessoas das comunidades, de Povos Indígenas. Ou com comunidades ribeirinhas. Comunidades ligados aos seus rios e às suas florestas, numa relação de afeto com eles. 

Porque, como dizia há pouco, estas entidades são os nossos melhores companheiros no tecido da vida, na nossa caminhada. Estes rios, estas plantas, estes animais, estas nuvens, este ar, todos eles. É algo de que nos esquecemos.

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Crédito: Journey Into Amazonia - Florida State University

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Edição Mariposa Azul (em português)

EDUCAÇÃO INDÍGENA | PRECONCEITO ACADÉMICO | URGÊNCIA DO CONHECIMENTO ANCESTRAL

Infelizmente, a ideologia nesses países, as ideologias racistas que recorreram a todas essas representações do mundo indígena feitas pelos exploradores, foram repetidas. E depois os governantes repetiram essas mesmas histórias, que definiam os Povos Indígenas como bárbaros.

Ou seja, os sistemas educativos de todos os países da Bacia Amazónica também reflectem este pensamento. De que essas culturas em nada contribuem para o país. E, portanto, os programas académicos das escolas primárias, das escolas secundárias, na Amazónia, são programas que foram elaborados, na maior parte das vezes, até muito recentemente, nas capitais desses países. Em Lima, em Bogotá.

E imaginem que tipo de capacitação, que tipo de continuidade cultural e de reafirmação das identidades locais e dos seus territórios podem ter estas crianças indígenas quando seguem os programas académicos de crianças do interior, ou dos Andes?

Por isso, perguntam-me o que se deve fazer. Temos de mudar a sociedade. E mudar a sociedade não significa apetrechá-la com mais tecnologia. Mudar a sociedade significa mudar o nosso modo de vida. Bem, isso é o que é preciso. É preciso muito.

É claro que todos nós aprendemos uns com os outros, na verdade. Mas nós, neste momento, vivemos uma urgência que exige que aprendamos com eles. Isto é, estamos a lutar pela nossa sobrevivência, ou pelo menos pela sobrevivência da nossa espécie. Que a Terra, ela vai equilibrar-se e vai continuar, como tiver de continuar. Mas nós necessitamos urgentemente destas sabedorias ancestrais, destas atitudes ancestrais. Vivemos uma urgência.

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Connecting the Dots com Juan Carlos Galeano

CtD_JCGaleano_PostCover.001

Crédito: Festival FOLIO

Neste episódio, exploramos as profundas ligações entre cosmogonias amazónicas, conhecimento indígena e gestão ambiental através das perspectivas do autor, investigador e activista ambiental colombiano.

Nascido na Amazónia colombiana, Juan Carlos Galeano move-se entre a poesia, a academia e o activismo ambiental com uma autenticidade única. A sua obra, incluindo Contos Amazónicos e poesia inspirada nas cosmogonias amazónicas, revela as intrincadas relações entre comunidades indígenas, mestiças e afrodescendentes com as florestas, os rios e os seres com quem partilham a vida.

Na Florida State University, Galeano ensina poesia latino-americana e é responsável por Journey into Amazonia, um programa de campo na Amazónia peruana, onde os alunos interagem directamente com as comunidades e os ambientes locais.

Conversámos com Juan Carlos no Festival FOLIO, em Óbidos, Portugal, onde o seu livro Amazónia acaba de ser traduzido para português, ampliando ainda mais o alcance destas perspectivas essenciais sobre a Amazónia.

Veja a versão em vídeo em baixo (legendas em português disponíveis), ou faça scroll para ouvir a versão em podcast (em espanhol) ou para ler a versão escrita (em português).

CONNECTING THE DOTS – PODCAST

Não vive sem os seus podcasts? Para não perder um episódio, subscreva o canal da Azimuth na Apple Podcasts ou no Spotify, aqui.

TRANSCRIÇÃO

(TRADUZIDO DO ESPANHOL)

COSMOVISÕES INDÍGENAS | PARENTESCOS | CRISE CIVILIZACIONAL

De facto, o grande valor das cosmovisões indígenas para o nosso presente é que elas trazem um legado de sabedoria. Que tipo de sabedoria? Bem, essa sabedoria de uma relação com a Terra, completamente diferente daquela que construímos na cultura ocidental.

Como foi mencionado hoje por alguns dos intervenientes indígenas, trata-se de uma sabedoria livre de dicotomias e dualismos. E, fundamentalmente, trata de nos sentirmos unidos a todos os outros seres. Ou seja, aos rios, às nuvens, à água, ao ar. Como se fossem nossos parentes, segundo o que afirmam tantas cosmogonias indígenas. Segundo milhares e milhares de mitos e narrativas das culturas indígenas, de cada povo indígena, nos quais os lugares e as outras espécies são nossos parentes.

Parentes que também nos ensinam a viver melhor. Se nós explorarmos as narrativas das culturas indígenas, a partir dessa noção de uma humanidade socializada, por exemplo, nós percebemos que elas definem princípios muito claros. E esses princípios baseiam-se nisso mesmo. Na reciprocidade. Numa noção muito vincada de que não estamos sós, de que não somos seres independentes, mas que fazemos parte de uma teia de relações com todo o universo. Não só com o universo imediato, mas no seu todo. Eu diria, como se aí encontrássemos os companheiros de viagem que nos acompanham na estrada das nossas vidas.

Juan Carlos Galeano y Alfredo Cumapa (Trabajo de campo escuchando historias) en el Amazonas (1998)

Crédito: Arquivo Pessoal Juan Carlos Galeano

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Crédito: Arquivo Pessoal Juan Carlos Galeano

Portanto, é claro que, sendo este o legado das culturas indígenas, neste momento, na modernidade, ele volta a emergir. Surge de novo, porque estas vozes foram silenciadas pelo colonialismo, pelo neocolonialismo e pela modernidade, que foi dizimando, não só as suas vozes, mas a própria Terra.

Então, a cultura ocidental, ao procurar narrativas que lhe permitam fazer uma crítica de si mesma, encontra-se neste momento com estes aliados cruciais, que são as culturas indígenas, que guardam toda a sabedoria necessária ao mundo moderno. Então, eu acho que esse é um princípio muito importante do qual devemos partir. E quando digo que devemos partir daí, isso significa que devemos respeitar e honrar essas comunidades humanas, que foram humilhadas e silenciadas. No caso da América Latina, por exemplo, ao longo cinco séculos de colonialismo.

Portanto, são narrativas, formas de ver o mundo, que estão em oposição a todas as narrativas que foram construídas pelos primeiros exploradores, e depois pelos colonizadores, e que continuaram a ser repetidas depois. Narrativas que integram uma ideologia destruidora. Portanto, penso que isto é extremamente importante, neste momento de crise. Como dizia Enrique Leff, neste momento de crise civilizacional.

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Crédito: Arquivo Pessoal Juan Carlos Galeano

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Crédito: Arquivo Pessoal Juan Carlos Galeano

CONTOS AMAZÓNICOS | RECONTAR E REESCREVER | IMAGINAÇÃO E EMPATIA

Reproduzir estes contos na íntegra preencheria demasiadas páginas. Bom, por que não fazer uma versão mitopoética de uma história, de uma narrativa oral, que coubesse em 10 páginas? E por que não fazê-lo através dessa versão mitopoética? Sem abandonar a língua em que foram contadas originalmente. Mas seleccionando momentos poderosos, iluminadores, quase como epifanias, dentro destas histórias.

Além disso, nunca contamos uma história da mesma maneira. Porque nós, através da nossa imaginação, estamos sempre a alterar as histórias. O próprio Italo Calvino disse: “Uma história não é bela se não lhe acrescentares algo de cada vez que a contas”. Pois bem, como no aforismo de Heráclito, nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. Vejamos, nós somos o rio. Também temos, como se diz em inglês, “agency”, agência.

Por isso, estamos sempre a construir algo. Estamos em permanente mudança, como todos os outros seres.

Estamos sempre a construir imaginários. O que acontece é que podemos manipular esse imaginário. Podemos sair de nós próprios. E assim, se sairmos de nós próprios e imaginarmos, e somos imaginativos o suficiente para o fazer, como pensaria uma montanha? Como pensaria uma nuvem? Como pensaria um rio? Portanto, aqui já entramos num conjunto de relações totalmente diferente. Estamos a construir um paradigma totalmente diferente, porque assim estamos a reconhecer que estas entidades são portadoras de subjectividade. Tal como nós. E, portanto, se têm uma subjetividade como nós, são seres sencientes.

E então a partir daí podemos usar essa nossa outra construção, a que chamamos compaixão, empatia. Podemos sentir com ela. E aqui estamos já num tipo de sociedade que se reencontra com essas sociedades originais, a que chamamos culturas indígenas. Talvez se nos dermos ao trabalho de imaginar, de olhar para o mundo com a nossa imaginação, possamos aproximar-nos mais do mundo, possamos senti-lo mais.

810SFpQdXSL._CR0,0,0,130_

Ed.: Libraries Unlimited - Greenwood Publishing Group

FACILITAR EXPERIÊNCIAS | PERSPECTIVAS AMAZÓNICAS | SITUAR O CONHECIMENTO

Bom, passei muitos anos a viajar pelos rios e selvas de toda a Amazónia, por locais que atravessam os vários países da Bacia, e queria partilhar essa experiência com os meus alunos – que cresceram numa narrativa totalmente antropocêntrica, e que são jovens por volta dos 20 anos – neste momento das suas vidas em que estão a tomar decisões importantes. E não haveria melhor forma os ensinar.

Porque ninguém ensina ninguém. Na verdade, facilitamos. Facilitamos uma experiência, para que eles possam tomar as melhores decisões para as suas vidas – enquanto médicos, advogados, professores, antropólogos, artistas – através de uma experiência que os leva a um lugar, a uma experiência, e que facilita que olhem simultaneamente para a vida, a vida ocidental, e para a vida local, a partir da perspetiva amazónica. Que olhem para os fenómenos da globalização, todos estes fenómenos que ocorrem no Ocidente, a partir da perspetiva das culturas indígenas.

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Crédito: Journey Into Amazonia - Florida State University

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Crédito: Journey Into Amazonia - Florida State University

Portanto, foi assim que aconteceu com alunos que tinham projectos como, por exemplo, estudar uma planta. Puderam estudar essa planta, mas não apenas da forma fragmentada que a educação tradicional exige. Não, essa planta não existe sozinha. Existe rodeada de pessoas. Existe graças às pessoas. Assim como as pessoas existem graças à planta, e vice-versa. Portanto, os alunos puderam conhecer e estudar essa planta, mas puderam conhecê-la na perspetiva dos habitantes da região.

O mesmo acontece com o estudo de um peixe. E isto incluía também todos os aspectos negativos. Ou seja, os processos de globalização, como é que influenciam um rio, como é que o transformam, como é que o envenenam, como é que também leva ao sofrimento destes peixes?

Por isso, pensei que esta era uma experiência importante e, durante muitos anos, conduzi este programa, em que o trabalho era feito nas comunidades. Os alunos viviam com as pessoas das comunidades, de Povos Indígenas. Ou com comunidades ribeirinhas. Comunidades ligados aos seus rios e às suas florestas, numa relação de afeto com eles. 

Porque, como dizia há pouco, estas entidades são os nossos melhores companheiros no tecido da vida, na nossa caminhada. Estes rios, estas plantas, estes animais, estas nuvens, este ar, todos eles. É algo de que nos esquecemos.

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Crédito: Journey Into Amazonia - Florida State University

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Edição Mariposa Azul (em português)

EDUCAÇÃO INDÍGENA | PRECONCEITO ACADÉMICO | URGÊNCIA DO CONHECIMENTO ANCESTRAL

Infelizmente, a ideologia nesses países, as ideologias racistas que recorreram a todas essas representações do mundo indígena feitas pelos exploradores, foram repetidas. E depois os governantes repetiram essas mesmas histórias, que definiam os Povos Indígenas como bárbaros.

Ou seja, os sistemas educativos de todos os países da Bacia Amazónica também reflectem este pensamento. De que essas culturas em nada contribuem para o país. E, portanto, os programas académicos das escolas primárias, das escolas secundárias, na Amazónia, são programas que foram elaborados, na maior parte das vezes, até muito recentemente, nas capitais desses países. Em Lima, em Bogotá.

E imaginem que tipo de capacitação, que tipo de continuidade cultural e de reafirmação das identidades locais e dos seus territórios podem ter estas crianças indígenas quando seguem os programas académicos de crianças do interior, ou dos Andes?

Por isso, perguntam-me o que se deve fazer. Temos de mudar a sociedade. E mudar a sociedade não significa apetrechá-la com mais tecnologia. Mudar a sociedade significa mudar o nosso modo de vida. Bem, isso é o que é preciso. É preciso muito.

É claro que todos nós aprendemos uns com os outros, na verdade. Mas nós, neste momento, vivemos uma urgência que exige que aprendamos com eles. Isto é, estamos a lutar pela nossa sobrevivência, ou pelo menos pela sobrevivência da nossa espécie. Que a Terra, ela vai equilibrar-se e vai continuar, como tiver de continuar. Mas nós necessitamos urgentemente destas sabedorias ancestrais, destas atitudes ancestrais. Vivemos uma urgência.

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