Connecting the Dots com Ana Rosa de Lima

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A fundadora e directora da Meli Bees Network conta-nos como a sua organização consegue conjugar impactos ambientais e sociais positivos, através de múltiplas parcerias com organizações indígenas e de comunidades locais, no Brasil.

It’s impossible to discuss the global climate and biodiversity crisis without talking about the Amazon. Deforestation, illegal mining and logging have reached alarming levels in recent years, pushing crucial ecosystems to the brink. The Amazon bears the visible scars of our collective impact on the planet: pollution, overconsumption, inequality, alienation.

In Brazil, Indigenous communities continue to struggle for their right to inhabit and manage their land. Their lives are under constant threat, despite their globally recognized invaluable contribution to our environmental well-being. Colonization is far from over, and survival is on the line for many of these communities.

It’s a critical time to listen to people like Ana Rosa de Lima, the founder of Meli Bees Network, who works to protect Indigenous Peoples’ rights and self-determination. Drawing from her Indigenous ancestry and driven by the ecological, cultural, and social tragedy unfolding in the Amazon, Ana Rosa and a generation of Amazonian leaders established Meli Bees. Their goal is to strengthen land protection and regeneration through Indigenous and local-led projects. Ana Rosa is committed to amplifying the voices of the communities she works with and creating networks of knowledge, solidarity, and allyship to tackle the enormous challenges we face.

É impossível discutir as crises globais, climática e da biodiversidade, sem falar sobre a Amazônia. Nos últimos anos, a desflorestação, a mineração ilegal e a exploração madeireira atingiram níveis cada vez mais alarmantes, colocando em risco de extinção alguns dos ecosistemas mais relevantes a nível planetário. Na Amazónia podemos ver as cicatrizes do nosso impacto coletivo sobre o planeta. Os impactos da poluição, do consumo excessivo, da desigualdade, da alienação.

No Brasil, as comunidades indígenas continuam a lutar pelos seus direitos. Antes de mais, o direito a viverem e gerirem as suas terras ancestrais. Mas os membros destas comunidades estão sob constante ameaça. Apesar da sua contribuição inestimável, e reconhecida internacionalmente, para a saúde do meio ambiente, são as suas vidas que muitas vezes estão em jogo. Há, na verdade, uma continuação dos processos de colonização, que coloca em risco a sobrevivência de muitas destas comunidades.

Um momento crítico para ouvir quem, como Ana Rosa de Lima, fundadora da Meli Bees Network, trabalha para proteger os direitos e a autodeterminação dos povos indígenas. Inspirada na sua ascendência indígena e motivada pela tragédia ecológica, cultural e social que se desenrola na Amazónia, Ana Rosa convidou jovens líderes amazónicos, para em conjunto criarem a Meli Bees. O seu objetivo é reforçar a proteção e a regeneração da terra através de projetos liderados por comunidades indígenas e locais. Ana Rosa está empenhada em amplificar as vozes dos membros destas comunidades, e também em criar redes de conhecimento, solidariedade e aliança para enfrentar os enormes desafios que caracterizam o momento presente.

Veja a versão em vídeo em baixo (legendas em português disponíveis), ou faça scroll para ouvir a versão em podcast (em inglês) e para ler a versão escrita.


CONNECTING THE DOTS – PODCAST

Não vive sem os seus podcasts? Para não perder um episódio, subscreva o canal da Azimuth na Apple Podcasts ou no Spotify, aqui.


ENGLISH TRANSCRIPT

 

 

 

Credit: Meli Bees Network


TRADUÇÃO EM PORTUGUÊS

MARIANA MARQUES (PRESIDENTE, AZIMUTH WORLD FOUNDATION)

Olá, Ana Rosa. Obrigado por aceitar nosso convite para o Connecting the Dots. Gostaria de começar por pedir que se apresente e que descreva brevemente sua organização, a Meli Bees Network.

ANA ROSA DE LIMA

Olá, Mariana. Muito obrigado pelo convite. É uma honra estar aqui com vocês. A Meli é uma organização sem fins lucrativos que envolve uma rede de comunidades Indígenas e locais em áreas ameaçadas.

De momento, estamos concentrados principalmente no Brasil. Começamos na região amazônica e agora crescemos para outras duas. Também estamos desenvolvendo projetos em dois outros biomas do país. E nós os apoiamos para que desenvolvam seus próprios projetos, liderando com sua própria visão do futuro que desejam.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

Obrigado. E Ana Rosa, antes de explorarmos as soluções em que vocês estão trabalhando, poderia nos contar sobre o contexto que levou à criação da Meli Bees? O que é o “Arco do Desmatamento” e o que você testemunhou em relação ao desmatamento da Amazônia e seu impacto nas comunidades Indígenas?

ANA ROSA DE LIMA

O “Arco do Desmatamento” é a área, que por acaso tem a forma de um arco, na Amazônia, onde historicamente ocorreu a maior parte do desmatamento. Eu cresci em uma cidade chamada Marabá. E lá pude ver o quanto os crimes contra a floresta, os crimes contra o meio ambiente estão profundamente ligados aos crimes contra os Direitos Humanos. Foi isso que mais me motivou.

Outro motivo crucial para iniciar esse projeto foi o fato de que, quando no início fizemos um projeto de crowdfunding para trabalhar com os Kayapós, chamamos a atenção de muitas outras comunidades Indígenas e locais da região. Percebemos o engajamento e a necessidade de apoio às comunidades Indígenas e locais da região. Vimos que poderíamos ter parceiros, que já havia muitos parceiros no terreno, prontos para desenvolver projetos regenerativos.

E a partir daí, no primeiro ano, fizemos vários projetos separados. Um projeto aqui, outro ali, com diferentes comunidades. E agora estamos tentando ter uma abordagem mais forte de ecossistema, porque vemos a necessidade de trabalhar num meio maior. Basicamente, estamos estabelecendo essa estrutura para que eles se conectem e tenham essa base onde possam iniciar os projetos e onde possam ter o apoio necessário para esses projetos.

Também é muito importante o fato de termos percebido a grande vantagem de quando uma comunidade está mais ativa na rede. Temos eventos mensais desde o início. Sempre tivemos chamadas de atualização on-line, apenas para nos conhecermos melhor. E vimos a importância dessa participação, para que eles interagissem. Mas, ao mesmo tempo, também percebemos que um grande número de comunidades não tem acesso a uma conexão estável com a Internet. Portanto, tentamos jogar com estes dois aspetos e envolver as comunidades através de eventos, workshops ou simplesmente com chamadas ou conversas, sempre que possível.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

O nome de sua organização é inspirado nas abelhas nativas sem ferrão. Pode nos contar sobre seu trabalho com as Meliponini e por que elas são uma inspiração e um guia para a filosofia da Meli Bees como organização?

ANA ROSA DE LIMA

Ótima pergunta. Somos a Melli Bees Network (Rede Meli Bees), portanto a ideia dessa rede é muito forte para nós desde o início. E Meli Bees é porque trabalhamos com as abelhas Meliponini.

Mencionei que fizemos um crowdfunding logo no início de 2019. Fizemos um crowdfunding para trabalhar com abelhas Meliponini, para apoiar os Kayapós nesse trabalho. E as Meliponini são abelhas sem ferrão, são nativas. Na verdade, elas são nativas de todas as regiões tropicais e subtropicais do mundo. E, embora existam mais de 400 espécies registradas, há muito pouca informação. Mesmo no Brasil, muitas pessoas não as conhecem.

As abelhas vão para a floresta, para as plantas, para as flores, para procurar seu alimento. Portanto, elas vão principalmente em busca de alimento. Mas quando fazem isso, prestam serviços ao ecossistema. Tentamos ter a mesma visão. Queremos desenvolver atividades que tenham ambos os impactos, para o meio ambiente e para a comunidade.

Se apoiarmos o futuro dos Povos Indígenas de forma bastante ampla, fazemos isso. Se trabalhamos com agricultura regenerativa, fazemos isso. Se trabalharmos com abelhas nativas, também o faremos. Desenvolvemos atividades que têm impacto positivo tanto social quanto ambiental.

Quando começamos, começamos a ouvir também de outras comunidades indígenas que haviam produtos oriundos das abelhas sem ferrão usados para fazer flechas, alguns detalhes nas flechas que eles usam.Portanto, também vemos, apenas procurando por essa pequena espécie, uma série de pontos relacionados com a cultura, o ambiente, a saúde, a alimentação e assim por diante.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

Obrigado por compartilhar, Ana Rosa. Muitos de nós já devem ter se deparado com os termos “Agroecologia” ou “Bioeconomia” antes. Ainda assim, será ótimo ouvir você explicar o que essas práticas regenerativas significam e por que elas são a base do seu trabalho com as comunidades Indígenas.

ANA ROSA DE LIMA

Acho que há muitas visões diferentes sobre agricultura regenerativa, regeneração, agroecologia e assim por diante. Para nós, o ponto principal é serem lideradas pelas comunidades, apostadas na manutenção da biodiversidade e que cuidem dos micróbios e do solo, ou seja, da microbiologia do solo. Portanto, solo saudável, comunidade saudável, biodiversidade saudável.Vemos a necessidade, a longo prazo, de ter o envolvimento real da comunidade. Que a comunidade não aceite simplesmente que isso seja feito com ela. A comunidade está ativamente envolvida em fazer isso acontecer.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

A Meli Bees Network já envolve líderes de mais de 50 comunidades em áreas ameaçadas da Amazônia brasileira, principalmente nos estados do Pará e do Maranhão. Como vocês iniciaram a vossa relação com essas comunidades Indígenas e locais?

ANA ROSA DE LIMA

Em primeiro lugar, eu me conectei com eles porque são meus amigos. Estudei na universidade com membros de comunidades Indígenas. Eu cresci exatamente no Maranhão, no Piauí, no Pará. Portanto, essa é a região que eu considero a minha casa. Mas devo dizer que esse foi apenas o começo. As primeiras comunidades, eu conhecia diretamente. A segunda geração de comunidades, eu não conhecia mais diretamente. Elas se conheciam e trouxeram mais comunidades, e mais e mais. Assim, uma rede começou a crescer por si própria.

Também crescemos para outros estados do Brasil, como o Maranhão. Para outros biomas, também. Estamos na Amazônia, estamos fazendo projetos na Mata Atlântica e no Serrado, também. Também trabalhamos entre o Serrado e a Amazônia. Esses dois biomas estão um ao lado do outro, e há comunidades Indígenas que têm os dois biomas na mesma área. Na parte da Amazônia que fica próxima ao Serrado, a mesma comunidade vive nos dois biomas. Há algumas comunidades que vivem apenas no Serrado, como os Krahô. Os Krahô vivem no Serradão, nas áreas mais profundas do Serrado. Os Guajajara vivem em ambos. Mas os Tupinambá (nós também trabalhamos com os Tupinambá) vivem na Mata Atlântica, é um contexto totalmente diferente. Porque eles são os primeiros Indígenas que tiveram contato com os não Indígenas, com os europeus. Trabalhamos com comunidades em que os pais foram a primeira geração a ter contato com os não Indígenas. Então, isso é bem diferente, mas, ao mesmo tempo, vemos muitos pontos que os unem, independentemente de estarem nesses biomas diferentes, nesses contextos diferentes. Apesar disso, eles se conectam e podem trocar muitas, muitas ideias e encontram formas de se ajudarem.

Nos primeiros anos, fizemos muitos projetos com agricultura regenerativa, ou seja, agroecologia. E apicultura nativa, é claro. Temos a apicultura nativa como um de nossos principais projetos. Também realizamos algumas atividades de narração de histórias, que na verdade eram mais para ouvir histórias, e que basicamente engajaram as comunidades a ouvir novamente suas próprias histórias, a refletir sobre suas próprias histórias. Portanto, esses foram os primeiros anos. Este ano, estamos muito abertos ao que as comunidades consideram necessário.

Nesse momento, estamos nos concentrando na soberania alimentar. E realizamos alguns projetos diferentes. Projetos como uma cozinha comunitária em que estamos trabalhando com os Pataxó Hã-Ha-Hãe. Ao mesmo tempo, os Guajajara, estão mais fazendo coleta de sementes, produção de mudas, apicultura nativa, para o reflorestamento de sua floresta, para proteger sua floresta. Já com os Apurinã, eles estão fazendo um trabalho de agroecologia com as escolas. E esse é um ponto comum que vi com muita frequência. Muitas comunidades Indígenas envolvem as escolas locais. Independentemente dos tópicos, todos esses projetos querem envolver de alguma forma as escolas locais.No caso dos Gaviões, as crianças estão pintando seus padrões tradicionais em suas colmeias. Os Pataxó Hã-Ha-Hãe estão convidando as crianças da escola para participarem do processo de trabalho na cozinha comunitária, mas também na agricultura regenerativa que estão fazendo para apoiar a cozinha, como um ponto de encontro para se reconectarem com esse intercâmbio tradicional que eles têm.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

Vocês também têm em vossa equipe membros de comunidades indígenas, certo?

ANA ROSA DE LIMA

Precisamos disso para que os projetos criem envolvimento local. Precisamos da ajuda, do conhecimento e do apoio deles para garantir que esses projetos serão bem-sucedidos localmente. E aprendemos muito com eles, porque são eles que realmente têm o conhecimento local, são eles que sabem que direção o projeto deve tomar ou quem devem engajar mais.

Um ponto sobre o qual talvez eu não tenha falado muito é a ciência comunitária. Porque também nos envolvemos muito com as universidades, para que nos ajudem a responder às perguntas levantadas pelas comunidades. Então, às vezes, as comunidades compartilham: “Ah, isso está acontecendo. Por que isso está acontecendo? Como posso trabalhar melhor nessa situação?” Ou: “Veja esta abelha. Você tem informações sobre essa abelha? Ou sobre essa planta?” Assim, tentamos pôr em contato esses dois atores e, é claro, de maneiras não coloniais.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

Sim, eu ia perguntar isso mesmo, Ana Rosa. Como consegue envolver as comunidades indígenas na pesquisa, sem se envolver com o extrativismo de dados, e priorizando os desejos das comunidades?

ANA ROSA DE LIMA

Sim. Acho que um bom começo, um começo muito bom, é primeiro esperar pelas questões levantadas pelas comunidades. Precisamos entender que as comunidades Indígenas prestam atenção e estudam à sua maneira a biodiversidade local.

Lembro-me de Jonas Guajajara, um dos membros da equipe, dizendo: “Temos essas, essas e essas abelhas. Mas essas, essas e essas os não-Indígenas não conhecem, porque eu pesquisei muito sobre elas e acho que vocês não conhecem. Eu não encontro o nome em português, e provavelmente vocês não as conhecem.” E tentar juntar essas duas perspectivas diferentes talvez possa ajudar a reunir informações sobre a espécie e melhorar o conhecimento sobre ela. É claro que eles têm o conhecimento local, a sabedoria local sobre o que acontece. Mas, às vezes, eles também querem trocar conhecimentos e aumentar o seu conhecimento sobre essas plantas, sobre essas abelhas ou espécies. E isso pode ser feito junto de outra comunidade local ou talvez com uma universidade. Outros profissionais ou acadêmicos podem talvez dar apoio. Às vezes, outros profissionais ou praticantes têm ainda mais conhecimento do que a universidade local. Portanto, não há apenas uma solução. Mas acho que esse início deve ser orientado pelas comunidades, deve responder a perguntas levantadas por elas.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

É bom que a comunidade científica também esteja adotando e sendo mais aberta para receber o conhecimento Indígena. Embora a ciência em diferentes campos ainda possa ser muito conservadora, estamos começando a ver mais abertura e mais colaboração com os conhecimentos Indígenas.

ANA ROSA DE LIMA

E temos sorte, porque na verdade fomos abordados pelas universidades, mais do que o contrário. Normalmente, os parceiros universitários com os quais temos contato são aqueles que já estão abertos a isso. Portanto, nunca tivemos problemas com parceiros universitários. Normalmente, os que nos procuram já têm uma visão alinhada com a nossa.

MARIANA MARQUES

A metodologia empregada pela Meli Bees envolve o engajamento de membros das comunidades, uma equipe de colaboradores, hubs e parceiros para cada projeto. Qual é a importância de os projetos desenvolvidos com comunidades Indígenas se tornarem liderados e gerenciados por Povos Indígenas?

ANA ROSA DE LIMA

Neste momento, estou escrevendo uma postagem no nosso blog, que provavelmente será lançada antes desta entrevista. Estou escrevendo sobre algo que vi acontecer na semana passada. Três comunidades nos procuraram para partilhar progressos nos projetos que desenvolvemos com elas.

Então, com o workshop de narração de histórias, a comunidade local começou um grupo de anciãos na comunidade. E esse grupo agora está fazendo outro projeto conosco, neste semestre, com as abelhas nativas. Foi muito bonito ver como um projeto evoluiu para o outro.

Depois, houve o projeto da escola, com os Gaviões. Fizemos o projeto no ano passado, para que eles tivessem essa área de colmeias. Agora é cerca de 50%-60% maior, a área, porque eles multiplicaram as colmeias, e todas as colmeias estão sendo mantidas naquelas casinhas que foram pintadas pelos alunos da escola. É um projeto que foi concluído. Nossa parte, da Meli, terminou. Mas eles continuaram, porque tinham essa motivação, tinham essa visão clara, queriam continuar.

E eu fiquei impressionada, porque foi realmente em duas semanas, todas as três mensagens. A terceira mensagem foi do Francisco Guajajara. No ano passado, ele participou de um workshop de agroecologia em outra comunidade, no Pará. Ele é do Maranhão, da Terra Indígena Araribóia. E este ano ele compartilhou algumas fotos do seu trabalho, baseado no que aprendeu no ano passado. Ele está trabalhando em sua comunidade, fazendo um sistema agroflorestal, usando ingredientes locais para fazer os fertilizantes.

Estamos tentando estabelecer uma cultura de realizar todos os anos um workshop de agricultura regenerativa com as comunidades. E este ano, o workshop de agricultura regenerativa será exatamente na vila de Francisco. Então, vejo isso, vejo o que Francisco, com o conhecimento adquirido no ano passado, já está colocando em prática em sua comunidade, e imagino o quanto mais ele aprenderá com este workshop que será realizado exatamente em sua comunidade. E o workshop deste ano é muito especial, porque estamos trazendo um professor com muita experiência junto de outras comunidades Indígenas, como os Guarani em São Paulo, que estão fazendo uma agricultura regenerativa realmente Indígena. Ótimos exemplos, que mostram às outras comunidades Indígenas como elas podem desenvolver sua própria segurança alimentar quando começarem a trabalhar com seu solo, com sua biodiversidade. É muito bom.

Para mim, esses são exatamente três exemplos que mostram como as comunidades, sendo autônomas, podem dar continuidade a esses projetos ou eventos. Fiquei muito emocionada com isso. E, é claro, muitas vezes nos perguntamos: “Como podemos tornar as comunidades realmente autônomas?” Passa por ser um parceiro nessa jornada. Acho que também existe essa concepção errônea: a autonomia não se refere apenas a dar apoio financeiro à comunidade. A autonomia passa por ter formas de apoio, e há muitos tipos de capital diferentes que contribuem para isso. Há o capital ambiental, o capital social. Há uma série de capitais de que as comunidades precisam para serem autônomas.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

E como contribui a visibilidade internacional para o sucesso desses projetos?

ANA ROSA DE LIMA

Com a visibilidade internacional, consegui angariar os fundos para começar a Meli. Apesar de ter crescido na Amazônia, sou migrante há alguns anos na Alemanha, no continente europeu. Com minha procedência social no Brasil, eu não conseguiria simplesmente tirar um ano para fazer trabalho de voluntariado e abrir uma organização sem fins lucrativos, não seria possível. E aqui eu encontrei alguns parceiros que nos ajudaram a fazer isso. A visibilidade internacional permite encontrar apoio, angariar fundos e realizar os projetos nas comunidades.

Mas é claro que também trabalhamos com a conscientização global, aqui. Vemos aqui muitas pessoas interessadas em saber mais sobre essas comunidades. Nosso objetivo é que, muito em breve, possamos trazer o conhecimento Indígena para cá. O ideal seria trocar esses conhecimentos em ambos os sentidos.

E, é claro, a cultura é um tópico muito importante. Há muitos cineastas Indígenas. Há, claro, a conscientização, a conscientização política. A visibilidade internacional. Eu acho que tudo isso pode desempenhar um papel, em conjunto, para construir um mundo que respeite as tradições Indígenas, as tradições locais, um mundo que se veja como um todo. Um trabalho que realmente nos conecte.

MARIANA MARQUES

Entrando um pouco no tema da conscientização política. A presidência de Lula da Silva trouxe esperanças de interromper o desmatamento, especialmente em comparação com as políticas de Jair Bolsonaro. Mas, Ana Rosa, qual é a sua experiência no terreno até agora, para lá dessas manchetes? Existe um otimismo genuíno nas comunidades Indígenas com as quais você trabalha?

ANA ROSA DE LIMA

Há o otimismo, é claro, de já não ter Bolsonaro no poder. E houve um forte otimismo após a eleição de Lula. Ao mesmo tempo, eu sempre tento ser muito cautelosa, porque o primeiro mandato da Presidência do Lula, há anos atrás, não foi totalmente positivo para as comunidades Indígenas, nem para a Amazônia. Ele autorizou algumas grandes construções que não eram nada sustentáveis do ponto de vista ambiental.

Por isso, precisamos ser cuidadosos. Ao mesmo tempo, há um otimismo, porque é depois de Bolsonaro, e tivemos uma experiência muito ruim. É como se, sim, pudéssemos respirar novamente. Mas é claro que precisamos ser cuidadosos ao mesmo tempo.

MARIANA MARQUES

Ana Rosa, muito obrigado por se ter juntado a nós hoje. Agradecemos sua dedicação à proteção dos direitos Indígenas e à promoção de práticas regenerativas na Amazônia.


Crédito: Meli Bees Network

 

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Connecting the Dots com Ana Rosa de Lima

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A fundadora e directora da Meli Bees Network conta-nos como a sua organização consegue conjugar impactos ambientais e sociais positivos, através de múltiplas parcerias com organizações indígenas e de comunidades locais, no Brasil.

It’s impossible to discuss the global climate and biodiversity crisis without talking about the Amazon. Deforestation, illegal mining and logging have reached alarming levels in recent years, pushing crucial ecosystems to the brink. The Amazon bears the visible scars of our collective impact on the planet: pollution, overconsumption, inequality, alienation.

In Brazil, Indigenous communities continue to struggle for their right to inhabit and manage their land. Their lives are under constant threat, despite their globally recognized invaluable contribution to our environmental well-being. Colonization is far from over, and survival is on the line for many of these communities.

It’s a critical time to listen to people like Ana Rosa de Lima, the founder of Meli Bees Network, who works to protect Indigenous Peoples’ rights and self-determination. Drawing from her Indigenous ancestry and driven by the ecological, cultural, and social tragedy unfolding in the Amazon, Ana Rosa and a generation of Amazonian leaders established Meli Bees. Their goal is to strengthen land protection and regeneration through Indigenous and local-led projects. Ana Rosa is committed to amplifying the voices of the communities she works with and creating networks of knowledge, solidarity, and allyship to tackle the enormous challenges we face.

É impossível discutir as crises globais, climática e da biodiversidade, sem falar sobre a Amazônia. Nos últimos anos, a desflorestação, a mineração ilegal e a exploração madeireira atingiram níveis cada vez mais alarmantes, colocando em risco de extinção alguns dos ecosistemas mais relevantes a nível planetário. Na Amazónia podemos ver as cicatrizes do nosso impacto coletivo sobre o planeta. Os impactos da poluição, do consumo excessivo, da desigualdade, da alienação.

No Brasil, as comunidades indígenas continuam a lutar pelos seus direitos. Antes de mais, o direito a viverem e gerirem as suas terras ancestrais. Mas os membros destas comunidades estão sob constante ameaça. Apesar da sua contribuição inestimável, e reconhecida internacionalmente, para a saúde do meio ambiente, são as suas vidas que muitas vezes estão em jogo. Há, na verdade, uma continuação dos processos de colonização, que coloca em risco a sobrevivência de muitas destas comunidades.

Um momento crítico para ouvir quem, como Ana Rosa de Lima, fundadora da Meli Bees Network, trabalha para proteger os direitos e a autodeterminação dos povos indígenas. Inspirada na sua ascendência indígena e motivada pela tragédia ecológica, cultural e social que se desenrola na Amazónia, Ana Rosa convidou jovens líderes amazónicos, para em conjunto criarem a Meli Bees. O seu objetivo é reforçar a proteção e a regeneração da terra através de projetos liderados por comunidades indígenas e locais. Ana Rosa está empenhada em amplificar as vozes dos membros destas comunidades, e também em criar redes de conhecimento, solidariedade e aliança para enfrentar os enormes desafios que caracterizam o momento presente.

Veja a versão em vídeo em baixo (legendas em português disponíveis), ou faça scroll para ouvir a versão em podcast (em inglês) e para ler a versão escrita.


CONNECTING THE DOTS – PODCAST

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ENGLISH TRANSCRIPT

 

 

 

Credit: Meli Bees Network


TRADUÇÃO EM PORTUGUÊS

MARIANA MARQUES (PRESIDENTE, AZIMUTH WORLD FOUNDATION)

Olá, Ana Rosa. Obrigado por aceitar nosso convite para o Connecting the Dots. Gostaria de começar por pedir que se apresente e que descreva brevemente sua organização, a Meli Bees Network.

ANA ROSA DE LIMA

Olá, Mariana. Muito obrigado pelo convite. É uma honra estar aqui com vocês. A Meli é uma organização sem fins lucrativos que envolve uma rede de comunidades Indígenas e locais em áreas ameaçadas.

De momento, estamos concentrados principalmente no Brasil. Começamos na região amazônica e agora crescemos para outras duas. Também estamos desenvolvendo projetos em dois outros biomas do país. E nós os apoiamos para que desenvolvam seus próprios projetos, liderando com sua própria visão do futuro que desejam.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

Obrigado. E Ana Rosa, antes de explorarmos as soluções em que vocês estão trabalhando, poderia nos contar sobre o contexto que levou à criação da Meli Bees? O que é o “Arco do Desmatamento” e o que você testemunhou em relação ao desmatamento da Amazônia e seu impacto nas comunidades Indígenas?

ANA ROSA DE LIMA

O “Arco do Desmatamento” é a área, que por acaso tem a forma de um arco, na Amazônia, onde historicamente ocorreu a maior parte do desmatamento. Eu cresci em uma cidade chamada Marabá. E lá pude ver o quanto os crimes contra a floresta, os crimes contra o meio ambiente estão profundamente ligados aos crimes contra os Direitos Humanos. Foi isso que mais me motivou.

Outro motivo crucial para iniciar esse projeto foi o fato de que, quando no início fizemos um projeto de crowdfunding para trabalhar com os Kayapós, chamamos a atenção de muitas outras comunidades Indígenas e locais da região. Percebemos o engajamento e a necessidade de apoio às comunidades Indígenas e locais da região. Vimos que poderíamos ter parceiros, que já havia muitos parceiros no terreno, prontos para desenvolver projetos regenerativos.

E a partir daí, no primeiro ano, fizemos vários projetos separados. Um projeto aqui, outro ali, com diferentes comunidades. E agora estamos tentando ter uma abordagem mais forte de ecossistema, porque vemos a necessidade de trabalhar num meio maior. Basicamente, estamos estabelecendo essa estrutura para que eles se conectem e tenham essa base onde possam iniciar os projetos e onde possam ter o apoio necessário para esses projetos.

Também é muito importante o fato de termos percebido a grande vantagem de quando uma comunidade está mais ativa na rede. Temos eventos mensais desde o início. Sempre tivemos chamadas de atualização on-line, apenas para nos conhecermos melhor. E vimos a importância dessa participação, para que eles interagissem. Mas, ao mesmo tempo, também percebemos que um grande número de comunidades não tem acesso a uma conexão estável com a Internet. Portanto, tentamos jogar com estes dois aspetos e envolver as comunidades através de eventos, workshops ou simplesmente com chamadas ou conversas, sempre que possível.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

O nome de sua organização é inspirado nas abelhas nativas sem ferrão. Pode nos contar sobre seu trabalho com as Meliponini e por que elas são uma inspiração e um guia para a filosofia da Meli Bees como organização?

ANA ROSA DE LIMA

Ótima pergunta. Somos a Melli Bees Network (Rede Meli Bees), portanto a ideia dessa rede é muito forte para nós desde o início. E Meli Bees é porque trabalhamos com as abelhas Meliponini.

Mencionei que fizemos um crowdfunding logo no início de 2019. Fizemos um crowdfunding para trabalhar com abelhas Meliponini, para apoiar os Kayapós nesse trabalho. E as Meliponini são abelhas sem ferrão, são nativas. Na verdade, elas são nativas de todas as regiões tropicais e subtropicais do mundo. E, embora existam mais de 400 espécies registradas, há muito pouca informação. Mesmo no Brasil, muitas pessoas não as conhecem.

As abelhas vão para a floresta, para as plantas, para as flores, para procurar seu alimento. Portanto, elas vão principalmente em busca de alimento. Mas quando fazem isso, prestam serviços ao ecossistema. Tentamos ter a mesma visão. Queremos desenvolver atividades que tenham ambos os impactos, para o meio ambiente e para a comunidade.

Se apoiarmos o futuro dos Povos Indígenas de forma bastante ampla, fazemos isso. Se trabalhamos com agricultura regenerativa, fazemos isso. Se trabalharmos com abelhas nativas, também o faremos. Desenvolvemos atividades que têm impacto positivo tanto social quanto ambiental.

Quando começamos, começamos a ouvir também de outras comunidades indígenas que haviam produtos oriundos das abelhas sem ferrão usados para fazer flechas, alguns detalhes nas flechas que eles usam.Portanto, também vemos, apenas procurando por essa pequena espécie, uma série de pontos relacionados com a cultura, o ambiente, a saúde, a alimentação e assim por diante.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

Obrigado por compartilhar, Ana Rosa. Muitos de nós já devem ter se deparado com os termos “Agroecologia” ou “Bioeconomia” antes. Ainda assim, será ótimo ouvir você explicar o que essas práticas regenerativas significam e por que elas são a base do seu trabalho com as comunidades Indígenas.

ANA ROSA DE LIMA

Acho que há muitas visões diferentes sobre agricultura regenerativa, regeneração, agroecologia e assim por diante. Para nós, o ponto principal é serem lideradas pelas comunidades, apostadas na manutenção da biodiversidade e que cuidem dos micróbios e do solo, ou seja, da microbiologia do solo. Portanto, solo saudável, comunidade saudável, biodiversidade saudável.Vemos a necessidade, a longo prazo, de ter o envolvimento real da comunidade. Que a comunidade não aceite simplesmente que isso seja feito com ela. A comunidade está ativamente envolvida em fazer isso acontecer.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

A Meli Bees Network já envolve líderes de mais de 50 comunidades em áreas ameaçadas da Amazônia brasileira, principalmente nos estados do Pará e do Maranhão. Como vocês iniciaram a vossa relação com essas comunidades Indígenas e locais?

ANA ROSA DE LIMA

Em primeiro lugar, eu me conectei com eles porque são meus amigos. Estudei na universidade com membros de comunidades Indígenas. Eu cresci exatamente no Maranhão, no Piauí, no Pará. Portanto, essa é a região que eu considero a minha casa. Mas devo dizer que esse foi apenas o começo. As primeiras comunidades, eu conhecia diretamente. A segunda geração de comunidades, eu não conhecia mais diretamente. Elas se conheciam e trouxeram mais comunidades, e mais e mais. Assim, uma rede começou a crescer por si própria.

Também crescemos para outros estados do Brasil, como o Maranhão. Para outros biomas, também. Estamos na Amazônia, estamos fazendo projetos na Mata Atlântica e no Serrado, também. Também trabalhamos entre o Serrado e a Amazônia. Esses dois biomas estão um ao lado do outro, e há comunidades Indígenas que têm os dois biomas na mesma área. Na parte da Amazônia que fica próxima ao Serrado, a mesma comunidade vive nos dois biomas. Há algumas comunidades que vivem apenas no Serrado, como os Krahô. Os Krahô vivem no Serradão, nas áreas mais profundas do Serrado. Os Guajajara vivem em ambos. Mas os Tupinambá (nós também trabalhamos com os Tupinambá) vivem na Mata Atlântica, é um contexto totalmente diferente. Porque eles são os primeiros Indígenas que tiveram contato com os não Indígenas, com os europeus. Trabalhamos com comunidades em que os pais foram a primeira geração a ter contato com os não Indígenas. Então, isso é bem diferente, mas, ao mesmo tempo, vemos muitos pontos que os unem, independentemente de estarem nesses biomas diferentes, nesses contextos diferentes. Apesar disso, eles se conectam e podem trocar muitas, muitas ideias e encontram formas de se ajudarem.

Nos primeiros anos, fizemos muitos projetos com agricultura regenerativa, ou seja, agroecologia. E apicultura nativa, é claro. Temos a apicultura nativa como um de nossos principais projetos. Também realizamos algumas atividades de narração de histórias, que na verdade eram mais para ouvir histórias, e que basicamente engajaram as comunidades a ouvir novamente suas próprias histórias, a refletir sobre suas próprias histórias. Portanto, esses foram os primeiros anos. Este ano, estamos muito abertos ao que as comunidades consideram necessário.

Nesse momento, estamos nos concentrando na soberania alimentar. E realizamos alguns projetos diferentes. Projetos como uma cozinha comunitária em que estamos trabalhando com os Pataxó Hã-Ha-Hãe. Ao mesmo tempo, os Guajajara, estão mais fazendo coleta de sementes, produção de mudas, apicultura nativa, para o reflorestamento de sua floresta, para proteger sua floresta. Já com os Apurinã, eles estão fazendo um trabalho de agroecologia com as escolas. E esse é um ponto comum que vi com muita frequência. Muitas comunidades Indígenas envolvem as escolas locais. Independentemente dos tópicos, todos esses projetos querem envolver de alguma forma as escolas locais.No caso dos Gaviões, as crianças estão pintando seus padrões tradicionais em suas colmeias. Os Pataxó Hã-Ha-Hãe estão convidando as crianças da escola para participarem do processo de trabalho na cozinha comunitária, mas também na agricultura regenerativa que estão fazendo para apoiar a cozinha, como um ponto de encontro para se reconectarem com esse intercâmbio tradicional que eles têm.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

Vocês também têm em vossa equipe membros de comunidades indígenas, certo?

ANA ROSA DE LIMA

Precisamos disso para que os projetos criem envolvimento local. Precisamos da ajuda, do conhecimento e do apoio deles para garantir que esses projetos serão bem-sucedidos localmente. E aprendemos muito com eles, porque são eles que realmente têm o conhecimento local, são eles que sabem que direção o projeto deve tomar ou quem devem engajar mais.

Um ponto sobre o qual talvez eu não tenha falado muito é a ciência comunitária. Porque também nos envolvemos muito com as universidades, para que nos ajudem a responder às perguntas levantadas pelas comunidades. Então, às vezes, as comunidades compartilham: “Ah, isso está acontecendo. Por que isso está acontecendo? Como posso trabalhar melhor nessa situação?” Ou: “Veja esta abelha. Você tem informações sobre essa abelha? Ou sobre essa planta?” Assim, tentamos pôr em contato esses dois atores e, é claro, de maneiras não coloniais.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

Sim, eu ia perguntar isso mesmo, Ana Rosa. Como consegue envolver as comunidades indígenas na pesquisa, sem se envolver com o extrativismo de dados, e priorizando os desejos das comunidades?

ANA ROSA DE LIMA

Sim. Acho que um bom começo, um começo muito bom, é primeiro esperar pelas questões levantadas pelas comunidades. Precisamos entender que as comunidades Indígenas prestam atenção e estudam à sua maneira a biodiversidade local.

Lembro-me de Jonas Guajajara, um dos membros da equipe, dizendo: “Temos essas, essas e essas abelhas. Mas essas, essas e essas os não-Indígenas não conhecem, porque eu pesquisei muito sobre elas e acho que vocês não conhecem. Eu não encontro o nome em português, e provavelmente vocês não as conhecem.” E tentar juntar essas duas perspectivas diferentes talvez possa ajudar a reunir informações sobre a espécie e melhorar o conhecimento sobre ela. É claro que eles têm o conhecimento local, a sabedoria local sobre o que acontece. Mas, às vezes, eles também querem trocar conhecimentos e aumentar o seu conhecimento sobre essas plantas, sobre essas abelhas ou espécies. E isso pode ser feito junto de outra comunidade local ou talvez com uma universidade. Outros profissionais ou acadêmicos podem talvez dar apoio. Às vezes, outros profissionais ou praticantes têm ainda mais conhecimento do que a universidade local. Portanto, não há apenas uma solução. Mas acho que esse início deve ser orientado pelas comunidades, deve responder a perguntas levantadas por elas.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

É bom que a comunidade científica também esteja adotando e sendo mais aberta para receber o conhecimento Indígena. Embora a ciência em diferentes campos ainda possa ser muito conservadora, estamos começando a ver mais abertura e mais colaboração com os conhecimentos Indígenas.

ANA ROSA DE LIMA

E temos sorte, porque na verdade fomos abordados pelas universidades, mais do que o contrário. Normalmente, os parceiros universitários com os quais temos contato são aqueles que já estão abertos a isso. Portanto, nunca tivemos problemas com parceiros universitários. Normalmente, os que nos procuram já têm uma visão alinhada com a nossa.

MARIANA MARQUES

A metodologia empregada pela Meli Bees envolve o engajamento de membros das comunidades, uma equipe de colaboradores, hubs e parceiros para cada projeto. Qual é a importância de os projetos desenvolvidos com comunidades Indígenas se tornarem liderados e gerenciados por Povos Indígenas?

ANA ROSA DE LIMA

Neste momento, estou escrevendo uma postagem no nosso blog, que provavelmente será lançada antes desta entrevista. Estou escrevendo sobre algo que vi acontecer na semana passada. Três comunidades nos procuraram para partilhar progressos nos projetos que desenvolvemos com elas.

Então, com o workshop de narração de histórias, a comunidade local começou um grupo de anciãos na comunidade. E esse grupo agora está fazendo outro projeto conosco, neste semestre, com as abelhas nativas. Foi muito bonito ver como um projeto evoluiu para o outro.

Depois, houve o projeto da escola, com os Gaviões. Fizemos o projeto no ano passado, para que eles tivessem essa área de colmeias. Agora é cerca de 50%-60% maior, a área, porque eles multiplicaram as colmeias, e todas as colmeias estão sendo mantidas naquelas casinhas que foram pintadas pelos alunos da escola. É um projeto que foi concluído. Nossa parte, da Meli, terminou. Mas eles continuaram, porque tinham essa motivação, tinham essa visão clara, queriam continuar.

E eu fiquei impressionada, porque foi realmente em duas semanas, todas as três mensagens. A terceira mensagem foi do Francisco Guajajara. No ano passado, ele participou de um workshop de agroecologia em outra comunidade, no Pará. Ele é do Maranhão, da Terra Indígena Araribóia. E este ano ele compartilhou algumas fotos do seu trabalho, baseado no que aprendeu no ano passado. Ele está trabalhando em sua comunidade, fazendo um sistema agroflorestal, usando ingredientes locais para fazer os fertilizantes.

Estamos tentando estabelecer uma cultura de realizar todos os anos um workshop de agricultura regenerativa com as comunidades. E este ano, o workshop de agricultura regenerativa será exatamente na vila de Francisco. Então, vejo isso, vejo o que Francisco, com o conhecimento adquirido no ano passado, já está colocando em prática em sua comunidade, e imagino o quanto mais ele aprenderá com este workshop que será realizado exatamente em sua comunidade. E o workshop deste ano é muito especial, porque estamos trazendo um professor com muita experiência junto de outras comunidades Indígenas, como os Guarani em São Paulo, que estão fazendo uma agricultura regenerativa realmente Indígena. Ótimos exemplos, que mostram às outras comunidades Indígenas como elas podem desenvolver sua própria segurança alimentar quando começarem a trabalhar com seu solo, com sua biodiversidade. É muito bom.

Para mim, esses são exatamente três exemplos que mostram como as comunidades, sendo autônomas, podem dar continuidade a esses projetos ou eventos. Fiquei muito emocionada com isso. E, é claro, muitas vezes nos perguntamos: “Como podemos tornar as comunidades realmente autônomas?” Passa por ser um parceiro nessa jornada. Acho que também existe essa concepção errônea: a autonomia não se refere apenas a dar apoio financeiro à comunidade. A autonomia passa por ter formas de apoio, e há muitos tipos de capital diferentes que contribuem para isso. Há o capital ambiental, o capital social. Há uma série de capitais de que as comunidades precisam para serem autônomas.

Créditos: Meli Bees Network

MARIANA MARQUES

E como contribui a visibilidade internacional para o sucesso desses projetos?

ANA ROSA DE LIMA

Com a visibilidade internacional, consegui angariar os fundos para começar a Meli. Apesar de ter crescido na Amazônia, sou migrante há alguns anos na Alemanha, no continente europeu. Com minha procedência social no Brasil, eu não conseguiria simplesmente tirar um ano para fazer trabalho de voluntariado e abrir uma organização sem fins lucrativos, não seria possível. E aqui eu encontrei alguns parceiros que nos ajudaram a fazer isso. A visibilidade internacional permite encontrar apoio, angariar fundos e realizar os projetos nas comunidades.

Mas é claro que também trabalhamos com a conscientização global, aqui. Vemos aqui muitas pessoas interessadas em saber mais sobre essas comunidades. Nosso objetivo é que, muito em breve, possamos trazer o conhecimento Indígena para cá. O ideal seria trocar esses conhecimentos em ambos os sentidos.

E, é claro, a cultura é um tópico muito importante. Há muitos cineastas Indígenas. Há, claro, a conscientização, a conscientização política. A visibilidade internacional. Eu acho que tudo isso pode desempenhar um papel, em conjunto, para construir um mundo que respeite as tradições Indígenas, as tradições locais, um mundo que se veja como um todo. Um trabalho que realmente nos conecte.

MARIANA MARQUES

Entrando um pouco no tema da conscientização política. A presidência de Lula da Silva trouxe esperanças de interromper o desmatamento, especialmente em comparação com as políticas de Jair Bolsonaro. Mas, Ana Rosa, qual é a sua experiência no terreno até agora, para lá dessas manchetes? Existe um otimismo genuíno nas comunidades Indígenas com as quais você trabalha?

ANA ROSA DE LIMA

Há o otimismo, é claro, de já não ter Bolsonaro no poder. E houve um forte otimismo após a eleição de Lula. Ao mesmo tempo, eu sempre tento ser muito cautelosa, porque o primeiro mandato da Presidência do Lula, há anos atrás, não foi totalmente positivo para as comunidades Indígenas, nem para a Amazônia. Ele autorizou algumas grandes construções que não eram nada sustentáveis do ponto de vista ambiental.

Por isso, precisamos ser cuidadosos. Ao mesmo tempo, há um otimismo, porque é depois de Bolsonaro, e tivemos uma experiência muito ruim. É como se, sim, pudéssemos respirar novamente. Mas é claro que precisamos ser cuidadosos ao mesmo tempo.

MARIANA MARQUES

Ana Rosa, muito obrigado por se ter juntado a nós hoje. Agradecemos sua dedicação à proteção dos direitos Indígenas e à promoção de práticas regenerativas na Amazônia.


Crédito: Meli Bees Network

 

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