Abordagens indígenas à conservação da natureza, na Universidade de Aveiro

Em várias regiões do mundo, as comunidades indígenas enfrentam desafios muito complexos relacionados com projectos de conservação. Uma problemática urgente, que a Azimuth World Foundation procurou trazer até junto dos estudantes e professores da Universidade de Aveiro, em Abril de 2024.

“Fomos recebidos pelo Departamento de Biologia da universidade, onde nos debruçámos sobre este aspeto crítico, mas muitas vezes ignorado, da política ambiental: os impactos dos projetos de conservação e turismo na vida das comunidades indígenas.

A presidente da Azimuth, Mariana Marques, e a nossa equipa, juntaram-se ao autor e investigador Rui Diogo para discutir «O Outro Lado da Conservação e das Políticas Ambientais».

Para lá das narrativas tradicionais sobre projectos de conservação da natureza

Com esta apresentação, quisemos desafiar os alunos a pensar criticamente sobre iniciativas de conservação que, até mesmo se bem-intencionadas, podem ter consequências devastadoras para as comunidades indígenas.

Discutimos como iniciativas globais de proteção ambiental – incluindo o «30×30», que visa proteger 30% da terra e da água do planeta até 2030 — podem, segundo vários especialistas, acabar por levar à “maior apropriação de terras da história”, sem passar pelos devidos processos de consulta prévia, e sem o consentimento das comunidades indígenas afectadas.

Há uma relação entre os índices de biodiversidade e os territórios geridos por comunidades indígenas que não pode ser ignorada: as regiões mais biodiversas da Terra não apresentam esses índices apesar da presença indígena, mas graças a ela.

No entanto, são essas comunidades, eficazes guardiãs dos ecossistemas do nosso planeta, que muitas vezes acabam por enfrentar a expulsão das suas terras ancestrais, para que sejam implementados projectos de conservação.

O que os nossos parceiros nos têm ensinado

Quisemos que esta palestra se focasse também nas experiências concretas de duas comunidades com as quais temos trabalhado numa relação de grande proximidade: os povos Batwa e Endorois.

Os Batwa, povo caçador-recoletor que viveu nas florestas da África Central durante 60 000 anos, foram expulsos das suas terras, sem compensação, quando foram criados parques naturais na região, durante as décadas de 1970 e 1990.

Hoje, enfrentam enormes desafios, tais como a discriminação e a pobreza extrema, o que não impede organizações de base, lideradas pelas comunidades, de continuarem a trabalhar incansavelmente pela autodeterminação e pela concretização de modelos de desenvolvimento assentes nas suas próprias prioridades, necessidades e aspirações.

Os Endorois, povo indígena que vive no Quénia, representam outro injusto paradigma. Já enfrentaram por duas vezes o deslocamento forçado das suas comunidades.

Foram expulsos pela primeira vez em 1973, quando foi criada a Reserva Natural do Lago Bogoria. Décadas depois, a situação repete-se, desta vez devido aos impactos das alterações climáticas. Com a subida do nível das águas do lago, foram novamente forçados a abandonar as suas terras.

Apesar de, em 2010, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ter emitido uma decisão histórica, na qual declarava ter sido ilegal a expulsão dos Endorois, o governo queniano tem falhado consecutivamente na implementação das medidas de reparação recomendadas.

É crucial questionar as abordagens à conservação da natureza

Aos alunos e professores que marcaram presença no auditório, deixámos um pedido. Que procurassem responder a algumas questões-chave, no momento em que se deparam com projectos de conservação: Quem vivia aqui antes da implementação deste projeto? O projeto levou a deslocamentos forçados, sem o devido consentimento? Quem controla a narrativa em torno desta iniciativa? Existem alternativas, tais como projectos de conservação geridos pela comunidade, que priorizem a autodeterminação indígena?

São questões fundamentais, para o presente e para o futuro da conservação. Modelos de «conservação fortificada» continuam a ser implementados e a separar comunidades das suas terras ancestrais.

E são muito frequentes os casos em que esses territórios, passado algum tempo, acabam a ser explorados por indústrias extrativas e pelo turismo de luxo, sem nunca voltarem a estar acessíveis às comunidades que, durante gerações, os protegeram.

Apoiar soluções indígenas

Ao trabalharmos com organizações de base indígenas, como a BIDO no Uganda ou a Jamii Asilia Centre no Quénia, ficamos cada vez mais convictos de que apoiar a autodeterminação das comunidades produz resultados mais eficazes e justos do que as abordagens de conservação impostas a partir do exterior, assentes em modelos hierárquicos e que excluem a presença mútua de seres humanos e das espécies animais e vegetais que devem ser protegidas.

Foi importante para nós enfatizar que as comunidades indígenas são povos contemporâneos, povos apostados em pensar o seu futuro. E que o modo como preservam e activam sistemas de conhecimento ancestral é essencial para enfrentar as crises globais da perda da biodiversidade e das alterações climáticas.

Deixamos um forte agradecimento ao Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, pela abertura para criar este espaço essencial de diálogo. Quando a próxima geração de biólogos, de investigadores na área da conservação ou de profissionais envolvidos em projectos ambientais priorizar verdadeiramente a interseção entre direitos humanos e proteção ambiental, estaremos mais perto de criar as soluções capazes de gerar um futuro justo e sustentável.

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Abordagens indígenas à conservação da natureza, na Universidade de Aveiro

Em várias regiões do mundo, as comunidades indígenas enfrentam desafios muito complexos relacionados com projectos de conservação. Uma problemática urgente, que a Azimuth World Foundation procurou trazer até junto dos estudantes e professores da Universidade de Aveiro, em Abril de 2024.

“Fomos recebidos pelo Departamento de Biologia da universidade, onde nos debruçámos sobre este aspeto crítico, mas muitas vezes ignorado, da política ambiental: os impactos dos projetos de conservação e turismo na vida das comunidades indígenas.

A presidente da Azimuth, Mariana Marques, e a nossa equipa, juntaram-se ao autor e investigador Rui Diogo para discutir «O Outro Lado da Conservação e das Políticas Ambientais».

Para lá das narrativas tradicionais sobre projectos de conservação da natureza

Com esta apresentação, quisemos desafiar os alunos a pensar criticamente sobre iniciativas de conservação que, até mesmo se bem-intencionadas, podem ter consequências devastadoras para as comunidades indígenas.

Discutimos como iniciativas globais de proteção ambiental – incluindo o «30×30», que visa proteger 30% da terra e da água do planeta até 2030 — podem, segundo vários especialistas, acabar por levar à “maior apropriação de terras da história”, sem passar pelos devidos processos de consulta prévia, e sem o consentimento das comunidades indígenas afectadas.

Há uma relação entre os índices de biodiversidade e os territórios geridos por comunidades indígenas que não pode ser ignorada: as regiões mais biodiversas da Terra não apresentam esses índices apesar da presença indígena, mas graças a ela.

No entanto, são essas comunidades, eficazes guardiãs dos ecossistemas do nosso planeta, que muitas vezes acabam por enfrentar a expulsão das suas terras ancestrais, para que sejam implementados projectos de conservação.

O que os nossos parceiros nos têm ensinado

Quisemos que esta palestra se focasse também nas experiências concretas de duas comunidades com as quais temos trabalhado numa relação de grande proximidade: os povos Batwa e Endorois.

Os Batwa, povo caçador-recoletor que viveu nas florestas da África Central durante 60 000 anos, foram expulsos das suas terras, sem compensação, quando foram criados parques naturais na região, durante as décadas de 1970 e 1990.

Hoje, enfrentam enormes desafios, tais como a discriminação e a pobreza extrema, o que não impede organizações de base, lideradas pelas comunidades, de continuarem a trabalhar incansavelmente pela autodeterminação e pela concretização de modelos de desenvolvimento assentes nas suas próprias prioridades, necessidades e aspirações.

Os Endorois, povo indígena que vive no Quénia, representam outro injusto paradigma. Já enfrentaram por duas vezes o deslocamento forçado das suas comunidades.

Foram expulsos pela primeira vez em 1973, quando foi criada a Reserva Natural do Lago Bogoria. Décadas depois, a situação repete-se, desta vez devido aos impactos das alterações climáticas. Com a subida do nível das águas do lago, foram novamente forçados a abandonar as suas terras.

Apesar de, em 2010, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ter emitido uma decisão histórica, na qual declarava ter sido ilegal a expulsão dos Endorois, o governo queniano tem falhado consecutivamente na implementação das medidas de reparação recomendadas.

É crucial questionar as abordagens à conservação da natureza

Aos alunos e professores que marcaram presença no auditório, deixámos um pedido. Que procurassem responder a algumas questões-chave, no momento em que se deparam com projectos de conservação: Quem vivia aqui antes da implementação deste projeto? O projeto levou a deslocamentos forçados, sem o devido consentimento? Quem controla a narrativa em torno desta iniciativa? Existem alternativas, tais como projectos de conservação geridos pela comunidade, que priorizem a autodeterminação indígena?

São questões fundamentais, para o presente e para o futuro da conservação. Modelos de «conservação fortificada» continuam a ser implementados e a separar comunidades das suas terras ancestrais.

E são muito frequentes os casos em que esses territórios, passado algum tempo, acabam a ser explorados por indústrias extrativas e pelo turismo de luxo, sem nunca voltarem a estar acessíveis às comunidades que, durante gerações, os protegeram.

Apoiar soluções indígenas

Ao trabalharmos com organizações de base indígenas, como a BIDO no Uganda ou a Jamii Asilia Centre no Quénia, ficamos cada vez mais convictos de que apoiar a autodeterminação das comunidades produz resultados mais eficazes e justos do que as abordagens de conservação impostas a partir do exterior, assentes em modelos hierárquicos e que excluem a presença mútua de seres humanos e das espécies animais e vegetais que devem ser protegidas.

Foi importante para nós enfatizar que as comunidades indígenas são povos contemporâneos, povos apostados em pensar o seu futuro. E que o modo como preservam e activam sistemas de conhecimento ancestral é essencial para enfrentar as crises globais da perda da biodiversidade e das alterações climáticas.

Deixamos um forte agradecimento ao Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, pela abertura para criar este espaço essencial de diálogo. Quando a próxima geração de biólogos, de investigadores na área da conservação ou de profissionais envolvidos em projectos ambientais priorizar verdadeiramente a interseção entre direitos humanos e proteção ambiental, estaremos mais perto de criar as soluções capazes de gerar um futuro justo e sustentável.

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