Connecting the Dots com a Unidos em Defesa de Covas do Barroso

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Aldeia de Covas do Barroso, no norte de Portugal
Ao lutar contra um projeto de mineração de lítio de grande escala, uma comunidade no norte de Portugal defende as suas práticas agrícolas sustentáveis e o Património Agrícola Mundial que há gerações a sustém.
Neste episódio partilhamos uma conversa gravada em Covas do Barroso, no norte de Portugal, durante o acampamento anual de resistência contra a exploração de lítio.
Esta pequena aldeia, reconhecida pela FAO como Património Agrícola Mundial, enfrenta os planos para uma das maiores minas de lítio a céu aberto da Europa. Uma mina que ameaça destruir 2000 hectares de baldios comunitários, contaminar as águas do Rio Covas – afluente do Douro – e deslocar uma comunidade que há gerações vive de forma autossuficiente.
Ouvimos os testemunhos de Aida Fernandes, agricultora local, e também das investigadoras Catarina Alves Scarrott e Mariana Riquito, que integram a Unidos em Defesa de Covas do Barroso.
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Veja a versão em vídeo em baixo, ou faça scroll para ouvir a versão em podcast ou para ler a versão escrita.
CONNECTING THE DOTS – PODCAST
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TRANSCRIÇÃO

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
AIDA FERNANDES (AGRICULTORA LOCAL, MEMBRO DA UDCB)
Covas do Barroso é uma aldeia maioritariamente agrícola. Ou seja, as pessoas vivem da agricultura e da pastorícia. Eu também sou agricultora e tenho vacas, e vivo da agricultura.
E Covas do Barroso é um lugar único. Porque tem características que conseguem fazer com que sejamos praticamente autossuficientes. Ou seja, conseguimos produzir tudo o que precisamos no dia-a-dia, desde o azeite, aos legumes, à carne, à fruta, peixe do nosso rio.
Por isso, acho que isso é uma riqueza muito grande, termos o privilégio de viver assim, num lugar em que temos ar puro, água limpa e muito verde.

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Aida Fernandes | Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Em Maio de 2017, movimentações estranhas começaram no monte. Uma antiga licença de 2006 para exploração de quartzo e feldspato estava a ser usada para algo muito diferente – e muito maior.”
AIDA FERNANDES
Havia uma pedreira de quartzo e feldspato desde 2006, que nunca tinha sido explorada. Em Maio de 2017 começou a haver movimentações no monte. E eu lembro-me de ter perguntado a uma das funcionárias o que é que andavam a fazer. E ela disse, “Ah, são só uns trabalhos”. Nós, aqui, o verão é de muito trabalho. Porque nós somos tipo formiga, recolhemos no verão para o inverno. E, então, as pessoas estão mais concentradas nas suas tarefas, e não dão tanta atenção.
E passado um mês, a Catarina liga-me de Londres, a perguntar-me o que é que se passa em Covas. Quando ela me diz isso, eu perguntei, “Não se passa nada. Muito calor e muito trabalho.” E ela disse, “Então, mas li aqui que a maior mina a céu aberto é em Covas do Barroso.”
Eu nem sabia o que era lítio, tão pouco, confesso. Quando ela começou a descrever o processo, ou seja, que neste momento nós tínhamos uma pedreira, mas que a seguir não era uma pedreira, mas que era uma lavaria, e a dimensão, foi um choque, foi assustador. “Isso é impossível, não pode ser. Isto não é possível. Como é que estão a fazer uma coisa destas sem nós sequer termos conhecimento?”

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Área da antiga licença para a mineração de quartzo e feldspato | Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
CATARINA ALVES SCARROTT (INVESTIGADORA, MEMBRO DA UDCB)
Eu sabia que havia interesse na mineração de lítio, já há algum tempo. Sabia também que havia uma licença. Mas, entretanto, eu também tinha lido vários trabalhos académicos em que se fazia a promoção das reservas de lítio em Portugal, e especificamente aqui, em Covas do Barroso.
Mas os mapas não eram assim muito claros, e não era muito claro exatamente onde se estava a pensar fazer, onde estavam as tais reservas de lítio. E depois, também, a licença era para feldspato e quartzo. Então, as coisas parecia que não batiam certo. Porque, de repente, eles diziam que era no âmbito da licença antiga, mas agora estavam a falar em lítio, não estavam a falar em feldspato e quartzo. Porque o feldspato e o quartzo é cortar a rocha e levar. O lítio é um elemento essencial, e precisa de ser refinado com um processo muito complexo.
Já havia o tal estudo de impacto ambiental, mas a área parecia muito longe aqui da aldeia. Havia um mapa, num dos relatórios, e o mapa, por mais pequeno que fosse, excluía aqui a aldeia. Não se via a aldeia. Mas houve lá uns pontos de referência no mapa que me levaram a entender a extensão e a proximidade da aldeia, e isso deixou-me muito, muito preocupada.
Mas eu acho que aquilo que me preocupou ainda mais, foi a forma como as pessoas aqui estavam muito desinformadas e não sabiam aquilo que se passava. Na altura, em 2017, ainda não se entendia muito bem a importância do lítio. Mas, nas minhas leituras em inglês, nos jornais ingleses, já se falava. Aqui, não se falava muito. Acho que muita gente aqui não entendia o que era o lítio.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
MARIANA RIQUITO (INVESTIGADORA, MEMBRO DA UDCB)
Eu soube no início de 2021, quando em Coimbra estávamos a organizar uma mobilização contra a extrema-direita. E, nesse momento, muita gente de todo o país foi, e nós chamámos para fazer uma grande mobilização. E foi nesse momento, nessas conversas, que soube de planos para mineração de lítio em Portugal.
E nesse ano, em Maio, Portugal estava com a presidência do Conselho Europeu, e organizou uma conferência intitulada “Green Mining”, em que convidou, na verdade, representantes das empresas, e de lobbies de baterias, e todos os secretários de Estado da energia dos Estados-Membros da União Europeia, e as comunidades foram excluídas de participar nessa conferência. Então, organizaram uma manifestação à frente do CCB. E foi a primeira vez que vi, não só o movimento aqui, de Covas do Barroso, mas também de Montalegre, e também, na altura, ainda da Serra da Arga e de outras comunidades do Norte de Portugal.
E, nesse momento, também conheci algumas pessoas que me disseram que estavam com planos de organizar um acampamento. Vim a primeira vez a Covas, em Agosto de 2021. E apaixonei-me aqui pela aldeia, pelas pessoas, por esta beleza. Por esta alegria, também. Este acolhimento.
E voltei cá, nessa altura e noutros meses, também. Enfim, fiquei bastante ligada. E quando comecei o doutoramento, em Fevereiro de 2022, perguntei aos meus orientadores se podia reorientar o estudo. Porque, de facto, queria estar mais presente e queria estar mais envolvida. E acabei a fazer também a minha investigação sobre o que se está a passar aqui, em Covas.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
No coração desta luta está o baldio – 2000 hectares de terra comunitária gerida democraticamente em assembleia de compartes, onde cada voz tem o mesmo peso, onde o rico e o pobre têm os mesmos direitos.
AIDA FERNANDES
Grande parte do projeto fica inserido em área de baldio. O baldio, neste momento, é toda a floresta que está à volta de Covas, da aldeia, que são cerca de 2000 hectares. É o baldio que está ameaçado, mas, acima de tudo, é a comunidade que está ameaçada. E a comunidade somos nós. Porque não há baldio se não houver comunidade. Nenhuma decisão sobre o baldio é tomada sem ser em assembleia de compartes, e mediante a vontade da população que vive em Covas.
E, também a nível económico, tem um peso muito grande. De pastoreio, recolha de lenha, matos. A questão da pesca, porque o rio fica inserido dentro do baldio. E a caça. Os cogumelos. São coisas muito pequenas, mas que são muito importantes para a comunidade, e que têm um peso histórico muito grande e que as pessoas dão um grande apreço.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Também é importante porque, além de ser uma fonte de rendimento para a comunidade, é também através do baldio que nós conseguimos dar trabalhos e gerar emprego na freguesia, na aldeia.
O [membro da UDCB] Carlos Libo diz uma frase que faz todo o sentido, que é: “O baldio não discrimina o rico do pobre.” Ou seja, os direitos são iguais para todos. Isso é muito importante. É uma terra a que todos temos direito, e que durante gerações foi o sustento de muitas famílias.
Por isso, acho que faz todo o sentido continuar a preservar e a ter um baldio. Porque, além de ser uma riqueza económica, é também uma questão de património, é uma questão de afeto, e as pessoas têm uma ligação muito forte com isso, com o baldio.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Depois de anos sem conseguir autorização da comunidade para entrar nos terrenos, a empresa recorreu a uma ferramenta legal devastadora – a servidão administrativa. O que se seguiu foram meses de repressão e resistência.
AIDA FERNANDES
A empresa chegou cá em 2017. Em 2018, finalmente, nós conseguimos perceber alguns dos nossos direitos. E um deles era que eles só podem entrar nos nossos terrenos com a nossa autorização. Na altura, nós parámos as prospecções no fim de 2018, e até Dezembro de 2024 eles não tiveram autorização para entrarem no baldio, nem nos particulares, nem nos da Junta de Freguesia.
Então, a empresa recorreu a essa ferramenta, que é a servidão administrativa, que o último Governo lhes deu. E contra tudo e contra todos, tivemos conhecimento pela GNR que isso ia acontecer. E foi muito intenso, foi muito tenso, foi muito sofrido para algumas pessoas ver as máquinas nos seus terrenos, sem a sua autorização. A GNR a ameaçá-los, e a obrigá-los a saírem dos terrenos.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Assim como hoje temos um dia de muito calor, tivemos dias extremos de inverno. E a Maria, e o Benjamim e o Dinis estavam lá no terreno. E o Dinis ligava-me, e dizia-me: “Eles dizem que se não sairmos em 5 minutos que nos levam presos”. E como estavam sós, acabaram por ceder.
Outras situações em que saímos de casa a pensar: “Hoje vamos presos.” Porque nós estávamos lá para defender o território, e chamámos a comunicação social. E nesse dia tivemos sorte, porque a GNR ao ver a televisão já recuou.
E, pronto, eles conseguiram fazer os trabalhos que queriam, contra a vontade da população. Porque eles dizem que têm uma óptima relação com a comunidade, e que o projeto está óptimo. Mas só conseguem entrar nos terrenos com essa ferramenta. E eles pediram uma segunda servidão, que nós já contestámos. E agora vamos ver o que é que vem a seguir.

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A GNR acompanhou o processo de entrada forçada nos terrenos através da servidão administrativa | Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
CATARINA ALVES SCARROTT
As populações aqui não aceitam o projeto. E, pelo menos por esse lado, não poderia nunca ser classificado como projeto estratégico. Também não poderia ser classificado como projeto estratégico, porque acreditamos que não é um projeto que, em termos do ambiente, seja aceitável, que deveria ser aceitável. Mesmo que condicionada, nunca deveria ter recebido uma declaração de impacto ambiental. E nunca deveria ter progredido à próxima etapa.
Esta classificação não foi feita de forma justa. Nós não sabemos que informações é que foram usadas. Se os critérios que tinham sido definidos foram ou não respeitados. E, portanto, a União Europeia também irá ser desafiada. Já fizemos um request for internal review dessa classificação. Vamos ficar à espera. E depois, mediante a resposta que recebermos, poderemos recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Eu acho que as políticas europeias precisam de ser redefinidas. Se estamos a falar numa crise, não pode ser “business as usual”. As coisas têm que mudar. O consumo tem que mudar. E estamos a falar num capitalismo verde. É uma transição feita para as companhias de mineração, feita para a indústria automóvel. Não é feito para o futuro do planeta, não é feito para nós, não é feito para o futuro das comunidades.

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Os trabalhos da empresa de mineração têm prosseguido contra a vontade da população | Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Face a interesses económicos poderosos e estratégias de divisão, a comunidade organizou-se. Nasceu a associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso – apartidária, baseada nos valores de solidariedade e respeito pela natureza que sempre definiram esta comunidade.
CATARINA ALVES SCARROTT
A associação foi muito, muito importante, porque sem ela não teríamos uma voz unida. E também outra coisa que é importante, que é assim: não estamos ligados a nenhum partido político. Foi a decisão da comunidade, unir-se contra este projeto, e poder ter essa voz, independente de partidos políticos, independente de outras influências.
Na verdade, a associação não poderia funcionar se não fosse dentro dos valores que a comunidade tem aqui. A solidariedade, a sustentabilidade, o respeito pela natureza, o respeito pelas pessoas.

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População de Covas do Barroso durante o acampamento de resistência, verão de 2025 | Crédito: Abril
AIDA FERNANDES
Para nós é tudo uma novidade, porque nunca tínhamos tido uma mina à nossa porta. Nunca tínhamos lidado com interesses económicos tão poderosos. Nunca tínhamos contestado nenhuma decisão do Governo, até hoje.
Neste momento, a favor temos as pessoas que estão a ganhar dinheiro, ou que vêem a possibilidade de ter algum lucro. Porque o resto, quando se fala no projeto, as pessoas todas acham que não é bom para a comunidade.
Felizmente, nós neste momento temos uma rede muito grande de amigos, a nível mundial, e de pessoas que sabem o que se passa em lugares que já têm minas. E o que dizem é que a estratégia é sempre a mesma. É dividir para reinar.

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Carlos Libo, agricultor local e membro da UDCB, durante o acampamento de resistência, verão de 2025 | Crédito: Abril
Mas afinal, para que serve esta corrida ao lítio? A União Europeia diz precisar de 60 vezes mais lítio até 2050. Mas será esta a única equação possível para enfrentar a crise climática?
CATARINA ALVES SCARROTT
Quando descobrimos que o projeto ia acontecer aqui, a primeira coisa que perguntámos foi: “Mas porquê nós? Porque é que nos vão sacrificar a nós?” E depois, à medida que fomos entendendo o projeto, a pergunta que perguntámos é: “Para quê?”
Porque dizemos cá também que quem gasta, que quem não poupa terra e lenha, não poupa coisa que tenha. A exploração não faz sentido. Porque é baseada num critério de “business as usual”. Tudo continua como está. Continuamos a consumir da mesma forma. E isso vai contra os valores que a comunidade tem.

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Rio Covas | Crédito: Abril
MARIANA RIQUITO
E quando nós vamos ver as estimativas de procura de lítio, elas respondem, na verdade, a vontades que sustêm indústrias, como a indústria automóvel, ou a indústria mineira ou a indústria do armamento.
Isso significa que, quando a União Europeia diz, “precisamos de 60 vezes mais lítio até 2050”, e diz que isto é altamente urgente, é porque o que está a pensar é, neste caso, substituir a frota de automóveis por automóveis elétricos.
Se a equação fosse: “OK, vamos aqui apostar na ferrovia e nos transportes públicos. Vamos reduzir no armamento. Vamos reduzir em indústrias como a fast fashion. Vamos acabar com a obsolescência programada. Vamos construir coisas que sejam feitas para durar. Vamos reciclar os materiais e minerais que já temos.” Se o início da equação fosse este, obviamente a necessidade de lítio iria reduzir drasticamente, e há imensos estudos feitos também sobre isso mesmo.
E, se calhar, podemos redefinir as nossas necessidades, e redefinir as nossas prioridades. E se calhar, a necessidade podia ser: “OK. Vamos manter daqui até 2050, e para sempre, os nossos rios limpos, as nossas florestas vivas, as nossas comunidades com pessoas.” E se essa for a prioridade, e se essa for a necessidade, então o início da equação vai ser completamente diferente.

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Floresta em redor da aldeia de Covas do Barroso | Crédito: Abril
E acho que é, sem dúvida, muito importante fazer uma transição. Que eu não gosto de dizer que é transição. Acho que é transformação, e que vai muito, muito além de só mudar a fonte de energia, ou mudar uma componente de armazenamento de energia. Ela tem, de facto, de ser uma transformação holística e integrada da forma como nos movimentamos. Do que comemos, de onde é que vem aquilo comemos. Aquilo que vestimos, de onde é que vem? Como é que nos relacionamos uns com os outros?
E acho que em territórios como em Covas podemos aprender com estas comunidades sobre outras formas de, de facto, nos relacionarmos com o meio envolvente, que não seja só esta infindável marcha de extrair mais para produzir mais, para termos novos carros, novos telemóveis, novas roupas, novos… Sempre mais, mais, mais, mais, mais.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
A batalha de Covas do Barroso não é isolada. É sobre o modelo de desenvolvimento que queremos, sobre que futuro imaginamos. Como podemos apoiar esta e outras lutas semelhantes? Como podemos dizer não à mina, e sim à vida?
MARIANA RIQUITO
Eu acho que há várias coisas que podem ser feitas, mesmo para quem não está em Covas. Quem estiver em Portugal, obviamente acho que é importante apoiar este movimento, e trazer este movimento para as cidades, organizando conversas, organizando palestras, organizando angariações de fundos ou dando donativos para as comunidades locais, para a associação local.
Porque, obviamente, isto não é um problema isolado. Há estudos que demonstram que, se a mina for para a frente, que não vai, mas levaria a uma falha catastrófica da barragem de rejeitados, e os rejeitados iriam até ao rio Douro e, portanto, até ao Oceano Atlântico. Ou seja, afetaria toda esta bacia hidrográfica, aqui do Norte de Portugal. E, portanto, obviamente, por essa questão, este não é um problema só isolado de Covas. Mas não é só um problema isolado de Covas, porque abrir minas aqui implicaria, então, abrir minas em muitos outros lugares e abriria um precedente brutal.

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Protesto durante o acampamento de resistência, verão de 2025 | Crédito: Abril
E, depois, algo muito importante é mesmo batalharmos sempre esta narrativa política que nos querem vender, de que o mundo tem que ser assim, e a transição tem que ser assim e tem que ser assim. Porque não tem que ser assim. E há muitas outras formas de ser e há muitas outras formas de viver. E não temos que repetir exatamente os mesmos erros, os mesmos padrões de consumo, de produção, de vivência.
E, então, é importante mostrarmos que pode ser de outra forma. E o “Não à mina” é também isso. É, também, dizer que as coisas podem ser de outra forma. O futuro não tem que ser mais minas em todo o lado. O futuro pode ser comunidades que vivam da sua floresta, junto com os seus rios, com os seus vizinhos, com os seus familiares.
Para quem está no resto do mundo, é exatamente a mesma coisa. Ou seja, visibilizar esta luta, dar apoio a esta luta. Seja, lá está, à distância, financeiramente. Ou à distância, batalhando nestas narrativas.

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Protesto durante o acampamento de resistência, verão de 2025 | Crédito: Abril
AIDA FERNANDES
Acho que a Mariana já disse tudo o que nós precisamos. Mas também precisamos, acima de tudo, de pessoas que tenham disponibilidade para vir a Covas. Nem que seja só para um abraço, porque há dias que precisamos muito.
CATARINA ALVES SCARROTT
É a batalha do David contra Golias. Somos “ordinary people in an extraordinary situation”. Estamos a lutar contra profissionais, a especulação financeira e as minas. Nós não somos profissionais. Nós somos pessoas normais, com empregos, que não sabíamos nada sobre minas, que vamos aprendendo pouco a pouco. E assim enfrentamos estas dificuldades, enfrentamos propaganda.
E é muito difícil às vezes nós passarmos a mensagem lá para fora. E é muito difícil para nós mostrar a realidade dos factos, porque estamos aqui, somos poucos, e estamos a lutar contra todas estas coisas.
E, portanto, é muito importante que outras pessoas venham cá ver, e nos ajudem a passar a mensagem lá para fora, daquilo que se está a passar. E nos ajudem a combater essa narrativa e essa incursão, essa intrusão, essa repressão que nós sofremos aqui. Porque nos afeta muitíssimo.
DIZ NÃO À MINA, SIM À VIDA. APOIA A UNIDOS EM DEFESA DE COVAS DO BARROSO:
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Aldeia de Covas do Barroso, no norte de Portugal
Ao lutar contra um projeto de mineração de lítio de grande escala, uma comunidade no norte de Portugal defende as suas práticas agrícolas sustentáveis e o Património Agrícola Mundial que há gerações a sustém.
Neste episódio partilhamos uma conversa gravada em Covas do Barroso, no norte de Portugal, durante o acampamento anual de resistência contra a exploração de lítio.
Esta pequena aldeia, reconhecida pela FAO como Património Agrícola Mundial, enfrenta os planos para uma das maiores minas de lítio a céu aberto da Europa. Uma mina que ameaça destruir 2000 hectares de baldios comunitários, contaminar as águas do Rio Covas – afluente do Douro – e deslocar uma comunidade que há gerações vive de forma autossuficiente.
Ouvimos os testemunhos de Aida Fernandes, agricultora local, e também das investigadoras Catarina Alves Scarrott e Mariana Riquito, que integram a Unidos em Defesa de Covas do Barroso.
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TRANSCRIÇÃO

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
AIDA FERNANDES (AGRICULTORA LOCAL, MEMBRO DA UDCB)
Covas do Barroso é uma aldeia maioritariamente agrícola. Ou seja, as pessoas vivem da agricultura e da pastorícia. Eu também sou agricultora e tenho vacas, e vivo da agricultura.
E Covas do Barroso é um lugar único. Porque tem características que conseguem fazer com que sejamos praticamente autossuficientes. Ou seja, conseguimos produzir tudo o que precisamos no dia-a-dia, desde o azeite, aos legumes, à carne, à fruta, peixe do nosso rio.
Por isso, acho que isso é uma riqueza muito grande, termos o privilégio de viver assim, num lugar em que temos ar puro, água limpa e muito verde.

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Aida Fernandes | Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Em Maio de 2017, movimentações estranhas começaram no monte. Uma antiga licença de 2006 para exploração de quartzo e feldspato estava a ser usada para algo muito diferente – e muito maior.”
AIDA FERNANDES
Havia uma pedreira de quartzo e feldspato desde 2006, que nunca tinha sido explorada. Em Maio de 2017 começou a haver movimentações no monte. E eu lembro-me de ter perguntado a uma das funcionárias o que é que andavam a fazer. E ela disse, “Ah, são só uns trabalhos”. Nós, aqui, o verão é de muito trabalho. Porque nós somos tipo formiga, recolhemos no verão para o inverno. E, então, as pessoas estão mais concentradas nas suas tarefas, e não dão tanta atenção.
E passado um mês, a Catarina liga-me de Londres, a perguntar-me o que é que se passa em Covas. Quando ela me diz isso, eu perguntei, “Não se passa nada. Muito calor e muito trabalho.” E ela disse, “Então, mas li aqui que a maior mina a céu aberto é em Covas do Barroso.”
Eu nem sabia o que era lítio, tão pouco, confesso. Quando ela começou a descrever o processo, ou seja, que neste momento nós tínhamos uma pedreira, mas que a seguir não era uma pedreira, mas que era uma lavaria, e a dimensão, foi um choque, foi assustador. “Isso é impossível, não pode ser. Isto não é possível. Como é que estão a fazer uma coisa destas sem nós sequer termos conhecimento?”

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Área da antiga licença para a mineração de quartzo e feldspato | Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
CATARINA ALVES SCARROTT (INVESTIGADORA, MEMBRO DA UDCB)
Eu sabia que havia interesse na mineração de lítio, já há algum tempo. Sabia também que havia uma licença. Mas, entretanto, eu também tinha lido vários trabalhos académicos em que se fazia a promoção das reservas de lítio em Portugal, e especificamente aqui, em Covas do Barroso.
Mas os mapas não eram assim muito claros, e não era muito claro exatamente onde se estava a pensar fazer, onde estavam as tais reservas de lítio. E depois, também, a licença era para feldspato e quartzo. Então, as coisas parecia que não batiam certo. Porque, de repente, eles diziam que era no âmbito da licença antiga, mas agora estavam a falar em lítio, não estavam a falar em feldspato e quartzo. Porque o feldspato e o quartzo é cortar a rocha e levar. O lítio é um elemento essencial, e precisa de ser refinado com um processo muito complexo.
Já havia o tal estudo de impacto ambiental, mas a área parecia muito longe aqui da aldeia. Havia um mapa, num dos relatórios, e o mapa, por mais pequeno que fosse, excluía aqui a aldeia. Não se via a aldeia. Mas houve lá uns pontos de referência no mapa que me levaram a entender a extensão e a proximidade da aldeia, e isso deixou-me muito, muito preocupada.
Mas eu acho que aquilo que me preocupou ainda mais, foi a forma como as pessoas aqui estavam muito desinformadas e não sabiam aquilo que se passava. Na altura, em 2017, ainda não se entendia muito bem a importância do lítio. Mas, nas minhas leituras em inglês, nos jornais ingleses, já se falava. Aqui, não se falava muito. Acho que muita gente aqui não entendia o que era o lítio.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
MARIANA RIQUITO (INVESTIGADORA, MEMBRO DA UDCB)
Eu soube no início de 2021, quando em Coimbra estávamos a organizar uma mobilização contra a extrema-direita. E, nesse momento, muita gente de todo o país foi, e nós chamámos para fazer uma grande mobilização. E foi nesse momento, nessas conversas, que soube de planos para mineração de lítio em Portugal.
E nesse ano, em Maio, Portugal estava com a presidência do Conselho Europeu, e organizou uma conferência intitulada “Green Mining”, em que convidou, na verdade, representantes das empresas, e de lobbies de baterias, e todos os secretários de Estado da energia dos Estados-Membros da União Europeia, e as comunidades foram excluídas de participar nessa conferência. Então, organizaram uma manifestação à frente do CCB. E foi a primeira vez que vi, não só o movimento aqui, de Covas do Barroso, mas também de Montalegre, e também, na altura, ainda da Serra da Arga e de outras comunidades do Norte de Portugal.
E, nesse momento, também conheci algumas pessoas que me disseram que estavam com planos de organizar um acampamento. Vim a primeira vez a Covas, em Agosto de 2021. E apaixonei-me aqui pela aldeia, pelas pessoas, por esta beleza. Por esta alegria, também. Este acolhimento.
E voltei cá, nessa altura e noutros meses, também. Enfim, fiquei bastante ligada. E quando comecei o doutoramento, em Fevereiro de 2022, perguntei aos meus orientadores se podia reorientar o estudo. Porque, de facto, queria estar mais presente e queria estar mais envolvida. E acabei a fazer também a minha investigação sobre o que se está a passar aqui, em Covas.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
No coração desta luta está o baldio – 2000 hectares de terra comunitária gerida democraticamente em assembleia de compartes, onde cada voz tem o mesmo peso, onde o rico e o pobre têm os mesmos direitos.
AIDA FERNANDES
Grande parte do projeto fica inserido em área de baldio. O baldio, neste momento, é toda a floresta que está à volta de Covas, da aldeia, que são cerca de 2000 hectares. É o baldio que está ameaçado, mas, acima de tudo, é a comunidade que está ameaçada. E a comunidade somos nós. Porque não há baldio se não houver comunidade. Nenhuma decisão sobre o baldio é tomada sem ser em assembleia de compartes, e mediante a vontade da população que vive em Covas.
E, também a nível económico, tem um peso muito grande. De pastoreio, recolha de lenha, matos. A questão da pesca, porque o rio fica inserido dentro do baldio. E a caça. Os cogumelos. São coisas muito pequenas, mas que são muito importantes para a comunidade, e que têm um peso histórico muito grande e que as pessoas dão um grande apreço.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Também é importante porque, além de ser uma fonte de rendimento para a comunidade, é também através do baldio que nós conseguimos dar trabalhos e gerar emprego na freguesia, na aldeia.
O [membro da UDCB] Carlos Libo diz uma frase que faz todo o sentido, que é: “O baldio não discrimina o rico do pobre.” Ou seja, os direitos são iguais para todos. Isso é muito importante. É uma terra a que todos temos direito, e que durante gerações foi o sustento de muitas famílias.
Por isso, acho que faz todo o sentido continuar a preservar e a ter um baldio. Porque, além de ser uma riqueza económica, é também uma questão de património, é uma questão de afeto, e as pessoas têm uma ligação muito forte com isso, com o baldio.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Depois de anos sem conseguir autorização da comunidade para entrar nos terrenos, a empresa recorreu a uma ferramenta legal devastadora – a servidão administrativa. O que se seguiu foram meses de repressão e resistência.
AIDA FERNANDES
A empresa chegou cá em 2017. Em 2018, finalmente, nós conseguimos perceber alguns dos nossos direitos. E um deles era que eles só podem entrar nos nossos terrenos com a nossa autorização. Na altura, nós parámos as prospecções no fim de 2018, e até Dezembro de 2024 eles não tiveram autorização para entrarem no baldio, nem nos particulares, nem nos da Junta de Freguesia.
Então, a empresa recorreu a essa ferramenta, que é a servidão administrativa, que o último Governo lhes deu. E contra tudo e contra todos, tivemos conhecimento pela GNR que isso ia acontecer. E foi muito intenso, foi muito tenso, foi muito sofrido para algumas pessoas ver as máquinas nos seus terrenos, sem a sua autorização. A GNR a ameaçá-los, e a obrigá-los a saírem dos terrenos.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Assim como hoje temos um dia de muito calor, tivemos dias extremos de inverno. E a Maria, e o Benjamim e o Dinis estavam lá no terreno. E o Dinis ligava-me, e dizia-me: “Eles dizem que se não sairmos em 5 minutos que nos levam presos”. E como estavam sós, acabaram por ceder.
Outras situações em que saímos de casa a pensar: “Hoje vamos presos.” Porque nós estávamos lá para defender o território, e chamámos a comunicação social. E nesse dia tivemos sorte, porque a GNR ao ver a televisão já recuou.
E, pronto, eles conseguiram fazer os trabalhos que queriam, contra a vontade da população. Porque eles dizem que têm uma óptima relação com a comunidade, e que o projeto está óptimo. Mas só conseguem entrar nos terrenos com essa ferramenta. E eles pediram uma segunda servidão, que nós já contestámos. E agora vamos ver o que é que vem a seguir.

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A GNR acompanhou o processo de entrada forçada nos terrenos através da servidão administrativa | Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
CATARINA ALVES SCARROTT
As populações aqui não aceitam o projeto. E, pelo menos por esse lado, não poderia nunca ser classificado como projeto estratégico. Também não poderia ser classificado como projeto estratégico, porque acreditamos que não é um projeto que, em termos do ambiente, seja aceitável, que deveria ser aceitável. Mesmo que condicionada, nunca deveria ter recebido uma declaração de impacto ambiental. E nunca deveria ter progredido à próxima etapa.
Esta classificação não foi feita de forma justa. Nós não sabemos que informações é que foram usadas. Se os critérios que tinham sido definidos foram ou não respeitados. E, portanto, a União Europeia também irá ser desafiada. Já fizemos um request for internal review dessa classificação. Vamos ficar à espera. E depois, mediante a resposta que recebermos, poderemos recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Eu acho que as políticas europeias precisam de ser redefinidas. Se estamos a falar numa crise, não pode ser “business as usual”. As coisas têm que mudar. O consumo tem que mudar. E estamos a falar num capitalismo verde. É uma transição feita para as companhias de mineração, feita para a indústria automóvel. Não é feito para o futuro do planeta, não é feito para nós, não é feito para o futuro das comunidades.

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Os trabalhos da empresa de mineração têm prosseguido contra a vontade da população | Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
Face a interesses económicos poderosos e estratégias de divisão, a comunidade organizou-se. Nasceu a associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso – apartidária, baseada nos valores de solidariedade e respeito pela natureza que sempre definiram esta comunidade.
CATARINA ALVES SCARROTT
A associação foi muito, muito importante, porque sem ela não teríamos uma voz unida. E também outra coisa que é importante, que é assim: não estamos ligados a nenhum partido político. Foi a decisão da comunidade, unir-se contra este projeto, e poder ter essa voz, independente de partidos políticos, independente de outras influências.
Na verdade, a associação não poderia funcionar se não fosse dentro dos valores que a comunidade tem aqui. A solidariedade, a sustentabilidade, o respeito pela natureza, o respeito pelas pessoas.

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População de Covas do Barroso durante o acampamento de resistência, verão de 2025 | Crédito: Abril
AIDA FERNANDES
Para nós é tudo uma novidade, porque nunca tínhamos tido uma mina à nossa porta. Nunca tínhamos lidado com interesses económicos tão poderosos. Nunca tínhamos contestado nenhuma decisão do Governo, até hoje.
Neste momento, a favor temos as pessoas que estão a ganhar dinheiro, ou que vêem a possibilidade de ter algum lucro. Porque o resto, quando se fala no projeto, as pessoas todas acham que não é bom para a comunidade.
Felizmente, nós neste momento temos uma rede muito grande de amigos, a nível mundial, e de pessoas que sabem o que se passa em lugares que já têm minas. E o que dizem é que a estratégia é sempre a mesma. É dividir para reinar.

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Carlos Libo, agricultor local e membro da UDCB, durante o acampamento de resistência, verão de 2025 | Crédito: Abril
Mas afinal, para que serve esta corrida ao lítio? A União Europeia diz precisar de 60 vezes mais lítio até 2050. Mas será esta a única equação possível para enfrentar a crise climática?
CATARINA ALVES SCARROTT
Quando descobrimos que o projeto ia acontecer aqui, a primeira coisa que perguntámos foi: “Mas porquê nós? Porque é que nos vão sacrificar a nós?” E depois, à medida que fomos entendendo o projeto, a pergunta que perguntámos é: “Para quê?”
Porque dizemos cá também que quem gasta, que quem não poupa terra e lenha, não poupa coisa que tenha. A exploração não faz sentido. Porque é baseada num critério de “business as usual”. Tudo continua como está. Continuamos a consumir da mesma forma. E isso vai contra os valores que a comunidade tem.

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Rio Covas | Crédito: Abril
MARIANA RIQUITO
E quando nós vamos ver as estimativas de procura de lítio, elas respondem, na verdade, a vontades que sustêm indústrias, como a indústria automóvel, ou a indústria mineira ou a indústria do armamento.
Isso significa que, quando a União Europeia diz, “precisamos de 60 vezes mais lítio até 2050”, e diz que isto é altamente urgente, é porque o que está a pensar é, neste caso, substituir a frota de automóveis por automóveis elétricos.
Se a equação fosse: “OK, vamos aqui apostar na ferrovia e nos transportes públicos. Vamos reduzir no armamento. Vamos reduzir em indústrias como a fast fashion. Vamos acabar com a obsolescência programada. Vamos construir coisas que sejam feitas para durar. Vamos reciclar os materiais e minerais que já temos.” Se o início da equação fosse este, obviamente a necessidade de lítio iria reduzir drasticamente, e há imensos estudos feitos também sobre isso mesmo.
E, se calhar, podemos redefinir as nossas necessidades, e redefinir as nossas prioridades. E se calhar, a necessidade podia ser: “OK. Vamos manter daqui até 2050, e para sempre, os nossos rios limpos, as nossas florestas vivas, as nossas comunidades com pessoas.” E se essa for a prioridade, e se essa for a necessidade, então o início da equação vai ser completamente diferente.

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Floresta em redor da aldeia de Covas do Barroso | Crédito: Abril
E acho que é, sem dúvida, muito importante fazer uma transição. Que eu não gosto de dizer que é transição. Acho que é transformação, e que vai muito, muito além de só mudar a fonte de energia, ou mudar uma componente de armazenamento de energia. Ela tem, de facto, de ser uma transformação holística e integrada da forma como nos movimentamos. Do que comemos, de onde é que vem aquilo comemos. Aquilo que vestimos, de onde é que vem? Como é que nos relacionamos uns com os outros?
E acho que em territórios como em Covas podemos aprender com estas comunidades sobre outras formas de, de facto, nos relacionarmos com o meio envolvente, que não seja só esta infindável marcha de extrair mais para produzir mais, para termos novos carros, novos telemóveis, novas roupas, novos… Sempre mais, mais, mais, mais, mais.

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Crédito: Unidos em Defesa de Covas do Barroso
A batalha de Covas do Barroso não é isolada. É sobre o modelo de desenvolvimento que queremos, sobre que futuro imaginamos. Como podemos apoiar esta e outras lutas semelhantes? Como podemos dizer não à mina, e sim à vida?
MARIANA RIQUITO
Eu acho que há várias coisas que podem ser feitas, mesmo para quem não está em Covas. Quem estiver em Portugal, obviamente acho que é importante apoiar este movimento, e trazer este movimento para as cidades, organizando conversas, organizando palestras, organizando angariações de fundos ou dando donativos para as comunidades locais, para a associação local.
Porque, obviamente, isto não é um problema isolado. Há estudos que demonstram que, se a mina for para a frente, que não vai, mas levaria a uma falha catastrófica da barragem de rejeitados, e os rejeitados iriam até ao rio Douro e, portanto, até ao Oceano Atlântico. Ou seja, afetaria toda esta bacia hidrográfica, aqui do Norte de Portugal. E, portanto, obviamente, por essa questão, este não é um problema só isolado de Covas. Mas não é só um problema isolado de Covas, porque abrir minas aqui implicaria, então, abrir minas em muitos outros lugares e abriria um precedente brutal.

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Protesto durante o acampamento de resistência, verão de 2025 | Crédito: Abril
E, depois, algo muito importante é mesmo batalharmos sempre esta narrativa política que nos querem vender, de que o mundo tem que ser assim, e a transição tem que ser assim e tem que ser assim. Porque não tem que ser assim. E há muitas outras formas de ser e há muitas outras formas de viver. E não temos que repetir exatamente os mesmos erros, os mesmos padrões de consumo, de produção, de vivência.
E, então, é importante mostrarmos que pode ser de outra forma. E o “Não à mina” é também isso. É, também, dizer que as coisas podem ser de outra forma. O futuro não tem que ser mais minas em todo o lado. O futuro pode ser comunidades que vivam da sua floresta, junto com os seus rios, com os seus vizinhos, com os seus familiares.
Para quem está no resto do mundo, é exatamente a mesma coisa. Ou seja, visibilizar esta luta, dar apoio a esta luta. Seja, lá está, à distância, financeiramente. Ou à distância, batalhando nestas narrativas.

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Protesto durante o acampamento de resistência, verão de 2025 | Crédito: Abril
AIDA FERNANDES
Acho que a Mariana já disse tudo o que nós precisamos. Mas também precisamos, acima de tudo, de pessoas que tenham disponibilidade para vir a Covas. Nem que seja só para um abraço, porque há dias que precisamos muito.
CATARINA ALVES SCARROTT
É a batalha do David contra Golias. Somos “ordinary people in an extraordinary situation”. Estamos a lutar contra profissionais, a especulação financeira e as minas. Nós não somos profissionais. Nós somos pessoas normais, com empregos, que não sabíamos nada sobre minas, que vamos aprendendo pouco a pouco. E assim enfrentamos estas dificuldades, enfrentamos propaganda.
E é muito difícil às vezes nós passarmos a mensagem lá para fora. E é muito difícil para nós mostrar a realidade dos factos, porque estamos aqui, somos poucos, e estamos a lutar contra todas estas coisas.
E, portanto, é muito importante que outras pessoas venham cá ver, e nos ajudem a passar a mensagem lá para fora, daquilo que se está a passar. E nos ajudem a combater essa narrativa e essa incursão, essa intrusão, essa repressão que nós sofremos aqui. Porque nos afeta muitíssimo.
DIZ NÃO À MINA, SIM À VIDA. APOIA A UNIDOS EM DEFESA DE COVAS DO BARROSO:
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