Amplificar as Vozes da Juventude Indígena: Reflexões em Torno do Diálogo Transformador Organizado Pela IFIP

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Crédito: IFIP

Continuamos a construir pontes entre jovens lideranças indígenas e modelos filantrópicos centrados na autodeterminação das comunidades.

Em junho de 2025, a Azimuth World Foundation teve o privilégio de participar no “Empowering the Future”, um diálogo virtual entre jovens indígenas e financiadores, co-organizado pela International Funders for Indigenous Peoples (IFIP) e pela Mastercard Foundation.

Este encontro juntou jovens lideranças indígenas de todo o mundo e organizações filantrópicas, para explorarem, em conjunto, estratégias relevantes e boas práticas nos mecanismos de apoio a projectos e a organizações indígenas, capazes de contribuir genuinamente para a autodeterminação das comunidades.

O Papel Central da Juventude Indígena

O ponto de partida para este diálogo foi a recente divulgação do Manifesto Global da Juventude Indígena, desenvolvido através de um processo de consulta inclusivo, liderado por jovens indígenas. A versão final do documento foi adotada por unanimidade durante a Conferência Global da IFIP, que aconteceu no passado mês de fevereiro, em Naivasha, no Quénia.

Durante o webinar, Marcos Che, da Fundación Haciendas del Mundo Maya discutiu o processo de elaboração do manifesto e as principais reivindicações nele contidas. Marcos enfatizou a importância de incluir na elaboração do manifesto os contributos de jovens indígenas oriundos de regiões e contextos diversos.

O manifesto é bastante claro quanto aos grandes desafios enfrentados pela juventude indígena em todo o mundo. Desafios que estão interligados, como os impactos das alterações climáticas (sentidos de forma desproporcional pelas populações indígenas), a discriminação sistémica e as violações dos direitos humanos, a falta de representação significativa nos processos de tomada de decisão e as barreiras no acesso a mecanismos de financiamento que poderiam apoiar iniciativas indígenas.

O documento afirma, com toda a clareza: “Nós, enquanto jovens indígenas, somos os herdeiros da sabedoria dos nossos antepassados e os futuros guardiões das nossas terras e culturas. Estamos prontos para liderar”.

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Crédito: IFIP

O exemplo notável dos jovens activistas indígenas

O diálogo contou com a participação de vários jovens líderes indígenas, cujo trabalho inspirador põe em prática a visão articulada no Manifesto.

Gladys Kiplagat, da Baringo Indigenous Peoples’ Organization, sediada no Quénia, partilhou a sua perspectiva sobre mecanismos de financiamento para jovens indígenas que trabalham em áreas remotas ou com poucos recursos. Gladys baseou a sua intervenção no trabalho que tem desenvolvido para defender os direitos dos Endorois — um povo que enfrentou duas vezes a deslocação forçada, primeiro devido à implementação de projetos de conservação e mais tarde devido aos impactos das alterações climáticas.

Joshua Lazier, responsável pelo Programa para a Juventude Indígena da Youth Initiative for Land in Africa, e também Secretário-Geral da African Youth Pastoralist Initiative, focou a sua intervenção nas importantes oportunidades que os financiadores acabam por perder, ao não investir na juventude indígena. Destacou a ligação intrínseca entre o direito à terra e a resiliência das comunidades, e o papel desempenhado pela juventude indígena nesse campo. Não se trata apenas de assumir a liderança no futuro. Os jovens indígenas já são agentes de mudança, capazes de implementar soluções inovadoras.

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Crédito: IFIP

Por uma filantropia que procura novas abordagens

Durante esta conversa entre jovens líderanças e financiadores, falou-se do progresso na forma como as organizações filantrópicas trabalham com comunidades indígenas, mas também dos muitos desafios que persistem. Representantes da Ford Foundation, WK Kellogg Foundation, e da Azimuth World Foundation discutiram os seus modelos de financiamento e exemplos de parcerias com comunidades indígenas, mas apelaram também à continuação de um processo de transformação capaz de mudar as estruturas e práticas tradicionais de financiamento no campo da filantropia.

Na Azimuth, temos podido testemunhar como o trabalho dos jovens indígenas tem um enorme impacto, capaz de fortalecer comunidades inteiras. Estas experiências oferecem um argumento muito forte para o financiamento de organizações lideradas por jovens.

Com a Jamii Asilia Centre, organização sediada no Quénia, temos desenvolvido uma longa parceria centrada na iniciativa Revitalize the Roots: Bikaptorois. Um projecto que nos mostrou como modelos de preservação do conhecimento desenhados e implementados por jovens podem tornar-se catalisadores de um fortalecimento muito importante dos laços comunitários. Os jovens Endorois recolheram histórias e testemunhos dos anciãos da comunidade, e através desse trabalho, acabaram por conseguir reunir membros da comunidade que vivem dispersos por toda a região. Alguns viram-se pela primeira vez ao fim de vários anos, graças às actividades do projecto.

A nossa abordagem baseia-se numa série de princípios-chave: apoiar a capacitação, e não apenas a implementação de projetos; abrir espaço para que novas ideias surjam organicamente; ao procurar aliados que se possam juntar a nós no apoio aos nossos parceiros, garantir que estes respeitam em absoluto a visão e autodeterminação das comunidades.

Seguir realmente estes princípios implica aceitar outras formas de calendarizar, outras formas de implementar. Implica reaprender para cada contexto o significado do termo “resultados”. Implica abertura, e a capacidade de pormos em causa os nosso pressupostos e preconceitos.

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Crédito: IFIP

Ir além do financiamento

Uma das ideias centrais deste diálogo foi o reconhecimento de que o apoio aos jovens indígenas não se deve cingir aos recursos financeiros. Trabalhar para que exista uma confiança mútua, genuína, entre parceiros é fulcral, e exige a capacidade de assumir compromissos flexíveis e de longo prazo, que permitam uma adaptação a contextos que estão em permanente mudança — isto é particularmente verdade para parcerias com comunidades indígenas, que vivem em áreas remotas, ameaçadas por impactos desproporcionais das alterações climáticas, pelas indústrias extrativistas e pelas pressões da sociedade não indígena no sentido da aculturação.

Um apoio consistente implica fomentar e nutrir relações genuínas. Procura definir modelos de financiamento flexíveis e plurianuais. Ajuda no acesso a redes internacionais, de filantropia, de discussão ou de tomada de decisões. Reconhece que uma organização que trabalha numa área remota não é menos capaz – os jovens indígenas que vivem em áreas remotas têm muitas vezes uma ligação particularmente forte à sua cultura e ao conhecimento tradicional da sua comunidade. Cabe aos financiadores amplificar o seu trabalho, nunca moldá-lo.

Numa verdadeira parceria, os jovens indígenas devem participar na concepção dos critérios de avaliação de um projecto. É fundamental ouvir atentamente a sua descrição das necessidades sentidas pela comunidade. Há que estar preparado para ceder o controlo, e dar liberdade de acção a quem está no campo, a implementar, a viver junto da comunidade. Além disso, como foi salientado no diálogo, é muito importante contribuir para que as organizações indígenas ampliem as suas fontes de financiamento. Só assim podem ser verdadeiramente independentes, e mais resistentes às mudanças no panorama da filantropia.

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Crédito: IFIP

Um caminho conjunto

Esta conversa inspiradora terminou com um forte compromisso: jovens lideranças e financiadores vão continuar a colaborar, têm de o fazer.

À juventude indígena não cabe apenas preservar o passado. Estes jovens estão, neste preciso momento, a construir um futuro onde territórios indígenas são salvaguardados, onde culturas, visões do mundo e identidades indígenas prosperam. Estão a demonstrar o que significa verdadeiramente viver em comunidade, o que significa fazer coexistir passado, presente e futuro. O seu entusiasmo e empenho, mesmo perante os enormes desafios que enfrentam, oferecem-nos lições muito poderosas de resiliência e esperança.

Para os financiadores, o convite é claro: há que confiar na visão das organizações, oferecendo mecanismos de apoio flexíveis. Há que estar preparado para aprender. A nossa experiência na Azimuth só tem reforçado a nossa convicção do quão importante é contribuir para a concretização desta visão, do que os jovens indígenas sonham para as suas comunidades. Queremos continuar a contribuir para, e a ser contagiados pela, esperança que trazem consigo.

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Crédito: IFIP

O que se segue

Este diálogo não foi uma conversa isolada. Faz parte de um movimento cada vez mais significativo, que quer transformar a forma como a filantropia apoia as comunidades indígenas.

O Manifesto da Juventude Indígena serve como um guião e um apelo à ação. Apela aos financiadores para que ultrapassem modelos tradicionais. Pede-lhes que escolham abordagens verdadeiramente centradas na autodeterminação indígena.

Quando os jovens indígenas são apoiados como líderes, decisores e inovadores, em vez de meros destinatários de ajuda externa, os resultados não beneficiam apenas as suas comunidades. Estes apoios são verdadeiros contributos para a luta contra as crises climática e da biodiversidade. São verdadeiras respostas aos desafios sociais que, um pouco por todo o mundo, põem em causa os direitos humanos das comunidades.

Pode aceder ao Manifesto Global da Juventude Indígena, aqui. O documento oferece recomendações detalhadas, dirigidas a financiadores que queiram realmente apoiar organizações e projectos liderados por comunidades indígenas.

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Amplificar as Vozes da Juventude Indígena: Reflexões em Torno do Diálogo Transformador Organizado Pela IFIP

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Crédito: IFIP

Continuamos a construir pontes entre jovens lideranças indígenas e modelos filantrópicos centrados na autodeterminação das comunidades.

Em junho de 2025, a Azimuth World Foundation teve o privilégio de participar no “Empowering the Future”, um diálogo virtual entre jovens indígenas e financiadores, co-organizado pela International Funders for Indigenous Peoples (IFIP) e pela Mastercard Foundation.

Este encontro juntou jovens lideranças indígenas de todo o mundo e organizações filantrópicas, para explorarem, em conjunto, estratégias relevantes e boas práticas nos mecanismos de apoio a projectos e a organizações indígenas, capazes de contribuir genuinamente para a autodeterminação das comunidades.

O Papel Central da Juventude Indígena

O ponto de partida para este diálogo foi a recente divulgação do Manifesto Global da Juventude Indígena, desenvolvido através de um processo de consulta inclusivo, liderado por jovens indígenas. A versão final do documento foi adotada por unanimidade durante a Conferência Global da IFIP, que aconteceu no passado mês de fevereiro, em Naivasha, no Quénia.

Durante o webinar, Marcos Che, da Fundación Haciendas del Mundo Maya discutiu o processo de elaboração do manifesto e as principais reivindicações nele contidas. Marcos enfatizou a importância de incluir na elaboração do manifesto os contributos de jovens indígenas oriundos de regiões e contextos diversos.

O manifesto é bastante claro quanto aos grandes desafios enfrentados pela juventude indígena em todo o mundo. Desafios que estão interligados, como os impactos das alterações climáticas (sentidos de forma desproporcional pelas populações indígenas), a discriminação sistémica e as violações dos direitos humanos, a falta de representação significativa nos processos de tomada de decisão e as barreiras no acesso a mecanismos de financiamento que poderiam apoiar iniciativas indígenas.

O documento afirma, com toda a clareza: “Nós, enquanto jovens indígenas, somos os herdeiros da sabedoria dos nossos antepassados e os futuros guardiões das nossas terras e culturas. Estamos prontos para liderar”.

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Crédito: IFIP

O exemplo notável dos jovens activistas indígenas

O diálogo contou com a participação de vários jovens líderes indígenas, cujo trabalho inspirador põe em prática a visão articulada no Manifesto.

Gladys Kiplagat, da Baringo Indigenous Peoples’ Organization, sediada no Quénia, partilhou a sua perspectiva sobre mecanismos de financiamento para jovens indígenas que trabalham em áreas remotas ou com poucos recursos. Gladys baseou a sua intervenção no trabalho que tem desenvolvido para defender os direitos dos Endorois — um povo que enfrentou duas vezes a deslocação forçada, primeiro devido à implementação de projetos de conservação e mais tarde devido aos impactos das alterações climáticas.

Joshua Lazier, responsável pelo Programa para a Juventude Indígena da Youth Initiative for Land in Africa, e também Secretário-Geral da African Youth Pastoralist Initiative, focou a sua intervenção nas importantes oportunidades que os financiadores acabam por perder, ao não investir na juventude indígena. Destacou a ligação intrínseca entre o direito à terra e a resiliência das comunidades, e o papel desempenhado pela juventude indígena nesse campo. Não se trata apenas de assumir a liderança no futuro. Os jovens indígenas já são agentes de mudança, capazes de implementar soluções inovadoras.

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Crédito: IFIP

Por uma filantropia que procura novas abordagens

Durante esta conversa entre jovens líderanças e financiadores, falou-se do progresso na forma como as organizações filantrópicas trabalham com comunidades indígenas, mas também dos muitos desafios que persistem. Representantes da Ford Foundation, WK Kellogg Foundation, e da Azimuth World Foundation discutiram os seus modelos de financiamento e exemplos de parcerias com comunidades indígenas, mas apelaram também à continuação de um processo de transformação capaz de mudar as estruturas e práticas tradicionais de financiamento no campo da filantropia.

Na Azimuth, temos podido testemunhar como o trabalho dos jovens indígenas tem um enorme impacto, capaz de fortalecer comunidades inteiras. Estas experiências oferecem um argumento muito forte para o financiamento de organizações lideradas por jovens.

Com a Jamii Asilia Centre, organização sediada no Quénia, temos desenvolvido uma longa parceria centrada na iniciativa Revitalize the Roots: Bikaptorois. Um projecto que nos mostrou como modelos de preservação do conhecimento desenhados e implementados por jovens podem tornar-se catalisadores de um fortalecimento muito importante dos laços comunitários. Os jovens Endorois recolheram histórias e testemunhos dos anciãos da comunidade, e através desse trabalho, acabaram por conseguir reunir membros da comunidade que vivem dispersos por toda a região. Alguns viram-se pela primeira vez ao fim de vários anos, graças às actividades do projecto.

A nossa abordagem baseia-se numa série de princípios-chave: apoiar a capacitação, e não apenas a implementação de projetos; abrir espaço para que novas ideias surjam organicamente; ao procurar aliados que se possam juntar a nós no apoio aos nossos parceiros, garantir que estes respeitam em absoluto a visão e autodeterminação das comunidades.

Seguir realmente estes princípios implica aceitar outras formas de calendarizar, outras formas de implementar. Implica reaprender para cada contexto o significado do termo “resultados”. Implica abertura, e a capacidade de pormos em causa os nosso pressupostos e preconceitos.

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Crédito: IFIP

Ir além do financiamento

Uma das ideias centrais deste diálogo foi o reconhecimento de que o apoio aos jovens indígenas não se deve cingir aos recursos financeiros. Trabalhar para que exista uma confiança mútua, genuína, entre parceiros é fulcral, e exige a capacidade de assumir compromissos flexíveis e de longo prazo, que permitam uma adaptação a contextos que estão em permanente mudança — isto é particularmente verdade para parcerias com comunidades indígenas, que vivem em áreas remotas, ameaçadas por impactos desproporcionais das alterações climáticas, pelas indústrias extrativistas e pelas pressões da sociedade não indígena no sentido da aculturação.

Um apoio consistente implica fomentar e nutrir relações genuínas. Procura definir modelos de financiamento flexíveis e plurianuais. Ajuda no acesso a redes internacionais, de filantropia, de discussão ou de tomada de decisões. Reconhece que uma organização que trabalha numa área remota não é menos capaz – os jovens indígenas que vivem em áreas remotas têm muitas vezes uma ligação particularmente forte à sua cultura e ao conhecimento tradicional da sua comunidade. Cabe aos financiadores amplificar o seu trabalho, nunca moldá-lo.

Numa verdadeira parceria, os jovens indígenas devem participar na concepção dos critérios de avaliação de um projecto. É fundamental ouvir atentamente a sua descrição das necessidades sentidas pela comunidade. Há que estar preparado para ceder o controlo, e dar liberdade de acção a quem está no campo, a implementar, a viver junto da comunidade. Além disso, como foi salientado no diálogo, é muito importante contribuir para que as organizações indígenas ampliem as suas fontes de financiamento. Só assim podem ser verdadeiramente independentes, e mais resistentes às mudanças no panorama da filantropia.

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Crédito: IFIP

Um caminho conjunto

Esta conversa inspiradora terminou com um forte compromisso: jovens lideranças e financiadores vão continuar a colaborar, têm de o fazer.

À juventude indígena não cabe apenas preservar o passado. Estes jovens estão, neste preciso momento, a construir um futuro onde territórios indígenas são salvaguardados, onde culturas, visões do mundo e identidades indígenas prosperam. Estão a demonstrar o que significa verdadeiramente viver em comunidade, o que significa fazer coexistir passado, presente e futuro. O seu entusiasmo e empenho, mesmo perante os enormes desafios que enfrentam, oferecem-nos lições muito poderosas de resiliência e esperança.

Para os financiadores, o convite é claro: há que confiar na visão das organizações, oferecendo mecanismos de apoio flexíveis. Há que estar preparado para aprender. A nossa experiência na Azimuth só tem reforçado a nossa convicção do quão importante é contribuir para a concretização desta visão, do que os jovens indígenas sonham para as suas comunidades. Queremos continuar a contribuir para, e a ser contagiados pela, esperança que trazem consigo.

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Crédito: IFIP

O que se segue

Este diálogo não foi uma conversa isolada. Faz parte de um movimento cada vez mais significativo, que quer transformar a forma como a filantropia apoia as comunidades indígenas.

O Manifesto da Juventude Indígena serve como um guião e um apelo à ação. Apela aos financiadores para que ultrapassem modelos tradicionais. Pede-lhes que escolham abordagens verdadeiramente centradas na autodeterminação indígena.

Quando os jovens indígenas são apoiados como líderes, decisores e inovadores, em vez de meros destinatários de ajuda externa, os resultados não beneficiam apenas as suas comunidades. Estes apoios são verdadeiros contributos para a luta contra as crises climática e da biodiversidade. São verdadeiras respostas aos desafios sociais que, um pouco por todo o mundo, põem em causa os direitos humanos das comunidades.

Pode aceder ao Manifesto Global da Juventude Indígena, aqui. O documento oferece recomendações detalhadas, dirigidas a financiadores que queiram realmente apoiar organizações e projectos liderados por comunidades indígenas.

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